segunda-feira, 30 de maio de 2016

Calendário da Organização: 38 dicas para arrumar a casa em 7 dias

Calendário da Organização: 38 dicas para arrumar a casa em 7 dias

Organizar espaços pequenos é um desafio. Mas você pode, em uma única semana, deixar em ordem salas, home offices, banheiros, quartos, armários e cozinhas. Ensinamos como!

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Alguma vez você comprou um objeto e, depois de um tempo, descobriu que já o tinha em casa? Acontece direto com os clientes da organizadora profissional Ana Ziccardi, de São Paulo. Ela já desenterrou da bagunça livros, sapatos, objetos de cozinha e até roupas com etiqueta – tudo em duplicidade. Se sua casa está assim, pare de perder dinheiro, tempo e o prazer de ter as coisas à mão. Livre-se dos objetos que você não necessita e deixe aqueles que você precisa em locais acessíveis. Com a ajuda de cinco consultoras de organização, montamos um calendário com dicas para fazer isso em apenas sete dias.
Dia 1 e 2: Organize a sala
Luis Gomes
 Sala
Sala
Dicas de Ana Ziccardi, organizadora pessoal parceira da empresa OZ! Organize sua vida.
1- Recolha todos os itens que não pertencem ao ambiente, como roupas, livros, papéis e DVDs. Coloque tudo em cestos plásticos, um para cada morador da casa e devolva-os para seus donos. 
2- Jogue fora os jornais e revistas antigos que não cabem no revisteiro. Se quiser guardar páginas específicas, escaneie ou consulte as edições online. Caso colecione revistas, guarde-as em porta-revistas decorativos.
3- Crie um local perto da porta de entrada para deixar chaves, celulares, carteiras e correspondência. Pode ser uma bandeja ou tigela que combine com decoração. Ganchos são uma solução, mas não tão interessante: você precisará furar paredes.
4- “Fotos demais poluem o ambiente”, diz a organizadora pessoal Anna Ziccardi. Por isso, concentre os porta-retratos em uma mesa lateral ou use o porta-retrato digital. Outra opção: deixe sobre a mesa de centro um álbum ou fotolivro com as fotos favoritas.
5- Guarde CDs e DVDs em organizadores ou caixas decorativas. Se quiser mantê-los nas caixas originais, limpe a cada 15 dias, para evitar mofo e poeira. 
6- Copos e pratos que não cabem na cozinha vão para um móvel próprio, como cristaleira ou buffet. Aproveite os copos que sobram para montar um pequeno bar. Para isso, coloque garrafas de vidro, copos em uma bandeja sobre o aparador.
7- Organize os quadros de parede. O centro do quadro deve estar a 1,6 m do piso. Quadros acima dos móveis devem estar distribuídos de forma simétrica a partir do centro do móvel. Coloque-os 25 cm acima do encosto do sofá e a 20 cm do aparador. Antes de furar as paredes teste se vocês gostará da nova disposição dos quadros. Para isso, corte folhas de papel craft com as dimensões do quadro, cole-as nos locais desejados, afaste-se e veja se tudo está do seu gosto. 
8- Aprenda novos hábitos. Sempre que comer na sala, leve os pratos e copos para a cozinha; descarte jornais antigos; guarde bolsas e casacos assim que chegar da rua. E não deixe chaves e carteiras espalhadas.
Dia 3: Organize papéis e a mesa do computador
Evelyn Müller
 Home Office
Home Office
Dicas de Ana Ziccardi, organizadora profissional parceira da empresa OZ! Organize sua vida e Rafaela Oliveira, organizadora profissinal autora do blog Organize sem Frescuras.
9- A mesa do computador deve ter o mínimo possível de objetos. Deixe lá um porta-lápis, uma pasta, fichário ou caixa de entrada e saída para os papéis e uma agenda.
10- Reduza a quantidade de papéis. Quando receber novos papéis, jogue fora o que for desnecessário, como seus envelopes ou cartas promocionais.
11- Guarde apenas os papéis que vai guardar no trabalho e os indispensáveis, como comprovante de pagamentos de contas (até chegar o comprovante de quitação anual), documentos pessoais, da casa e do carro.
12- Coloque-os papéis do trabalho em caixas de entrada e saída, gavetas ou fichários. Separe-os de acordo com a função de cada um. Escaneie os outros papéis cujas informações você quer guardar. Desenhos das crianças e cartas de amigos podem virar quadros nas paredes.
Dia 4: Livre o quarto (cheio de bagunça crônica)
Evelyn Müller
 Quarto
Quarto
Dicas de Rafaela Oliveira, organizadora profissional autora do blog Organize sem Frescuras
13- Primeiro, jogue fora revistas e jornais velhos, papéis sem uso, e o lixo espalhado.
14- Diminua o número de objetos no criado-mudo. “Um livro, luminária e um enfeite estão de bom tamanho”, diz Rafaela.
15- Ordene os livros por tamanho ou pela cor das lombadas. Limpe-os com pano seco uma vez por semana – se você sofre de alergia, esse número aumenta.
16- Doe os brinquedos sem uso e jogue fora os quebrados. Guarde os brinquedos restantes em caixas diferentes, de acordo com seu tipo. Coloque etiquetas nas caixas para que as crianças saibam onde guardar os brinquedos. Se elas não souberem ler, desenhe o tipo de brinquedo na caixa.
17- Aproveite a semana da organização para começar novos hábitos! A cada manhã, tire do quarto objetos que não pertencem ao espaço, como canecas, pratos, livros da sala.
18- Também arrume a cama. “Já é mais de meio caminho andado”, diz Rafaela. Se você não acha difícil por a cama em ordem, facilite: use apenas dois edredons para cobri-la. Quando acordar, bastará esticar os edredons.
19- E antes de dormir, pendure ou guarde as roupas que vai usar novamente – vale à pena instalar ganchos e cabideiros no quarto se você não tiver.  As peças sujas devem ir para um cesto ou saco de lavanderia.
Dia 5: Organize roupas e sapatos no armário ou closet
Divulgação
 Armário
Armário
Dicas de Luiza Altman – Arquiteta e Consultora da loja online PortCasa
20- Primeiro, retire as roupas e sapatos do armário para tomar um ar. Separe para doação as roupas que não usa há mais de seis meses. Jogue fora as com defeito.
21- Separe as roupas de calor das de frio e as de trabalho das de passeio ou de ficar em casa. Dobre malhas, roupas de ginástica e camisetas. Elas podem ir empilhadas (em pilhas baixas) nas gavetas e prateleiras. Camisas, vestidos, casacos e ternos ficam em cabides - providencie modelos iguais feitos de plástico ou madeira, que são mais resistentes.
22- Posicione as roupas da estação onde for mais fácil pegá-las. No inverno, guarde os casacos pesados em cabides. No verão, guarde-os junto com malhas nos maleiros. Nessa épocam, guarde-os em sacos a vácuo. Essas embalagens têm uma entrada para a mangueira do aspirador de pó, o que permite retirar  o ar das roupas, deixando-as menores.  
23- Além de separar por estação, organize as roupas segundo uma lógica que você preferir: frequência de uso, tamanho ou cor.
24- Nas prateleiras, faça pilhas com poucas peças – assim elas amassam menos e ficam mais fáceis de retirar. Ana usa as seguintes quantidades máximas por pilha: doze blusas, quatro malhas, dez camisetas.
25- Dobre as roupas de cama e organize-as em conjuntos, colocando as fronhas por dentro do lençol. Enrole as toalhas em rolos apertados. Guarde-as em prateleiras ou gavetas.
26- Organize os calçados de forma que você possa ver todos de uma vez – vale usar uma prateleira deslizante, daquelas que funcionam como gavetas. Sapateiras de porta, de tecido ou arame, são uma alternativa mais barata. Adquira o hábito de deixar o suor secar nos sapatos antes de guardá-los.
27- Não deixe os calçados amassarem. Assim, evite empilhá-los. Se for inevitável, coloque as sandálias sobre os sapatos. Guarde botas com um enchimento dentro – caso tenham cano alto, coloque lá dentro garrafas PET com um pesinho. Outra opção é guardá-las presas a um cabide com presilhas ou pregadores.
Dia 6: Enfrente o caos da cozinha
Cozinha
 Salvador Cordaro
Salvador Cordaro
Dicas de Juliana Faria, arquiteta e organizadora pessoal da Yru Organizer
28- Prepare o terreno! Primeiro, lave a louça e depois limpe o fogão, bancada e armários. Deixe na bancada apenas objetos de uso diário – como cafeteira e espremedor de frutas, se fizer suco todo dia.
29- Organize os armários. Empilhe pratos em um armário de fácil acesso. Para eles não trincarem, a pilha deve ter no máximo 16. Faça pilhas diferentes para pratos rasos e fundos. Empilhe também as tigelas – no máximo três por vez. Copos ficam de cabeça para baixo dentro do armário. Prenda as canecas pela asa em ganchos fixados acima das prateleiras ou na parte debaixo do armário.
30- Coloque talheres em gavetas com divisórias internas e separe os garfos das facas e colheres. Outra solução é colocá-los de pé em potes de vidro, também separados. Se você tem criança em casa, use acessórios que tranquem as gavetas onde há vidros e talheres.
31- Arrume os recipientes grandes. Instale no armário divisórias verticais e guarde lá frigideiras, formas, travessas e bandejas – assim, fica mais fácil retirá-las. Empilhe as panelas e enfileire suas tampas em uma caixa plástica, da maior para a menor.
32- O material de limpeza deve ir para um cesto plástico sem tampa. Só traga o cesto para cima da bancada quando precisar usar.
Dia 7: Ponha cada coisa em seu lugar no banheiro
Salvador Cordaro
 Banheiros
Banheiros
Dicas de Rafaela Oliveira, organizadora profissional autora do blog Organize sem Frescuras e Cristiane Joffily, organizadora profissional e autora do blog Simplesmente organizar.
33- Primeiro, tire todos os produtos dos armários, prateleiras e bancadas. Descarte embalagens vazias, produtos abertos há mais de seis meses, fora da validade ou que não usa.
34- Separe os produtos de uso diário, como pasta de dentes, escova, desodorante de protetor solar. Guarde-os em uma bandeja sobre a bancada, para tornar a limpeza mais fácil. Deixe as escovas em um recipiente tampado, ou com protetores plásticos.
35- Só deixe no box os produtos usados durante o banho. Troque as esponjas do box a cada dois meses, evitando fungos e bactérias.
36- Divida os produtos que sobraram em categorias – por exemplo, produtos para unhas, cabelos, corpo ou dentes. Coloque-os em divisores de gavetas com rótulos ou caixinhas de plástico ou papelão. Mantenha um estoque de materiais de higiene no banheiro. Se tiver pouco espaço, deixe pelo menos um de reserva, para não ficar na mão na hora que mais precisa. Separe-os em caixas plásticas, fáceis de lavar.
37- Escovas, pentes e secadores de cabelo podem ir para gavetas. Se o banheiro não tiver espaço, guarde em caixas de plástico transparente abaixo da pia. Outra opção é guardá-los em gaveteiros com rodinhas. Também vale pendurar o secador em ganchos instalados no azulejo ou na porta do armário.
38- Toalhas podem ficar em toalheiros atrás da porta, se faltar espaço no banheiro. Mas se o banheiro tiver espaços sobrando, guarde ali rolos de papel higiênico e material de limpeza que não couberem na lavanderia.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Doença mental na política -

Doença mental na política

[Eduardo Bolsonaro, do Partido Social Cristão, discursa em manifestação anti-dilma no dia 1/11/2014 em São Paulo. O Deputado Federal, eleito com 82.224 votos, foi armado ao protesto.]
As eleições de 2014 foram palco de um acirramento discursivo sem precedentes no país. A disponibilidade de meios e a facilidade dos fins desencadeou uma espécie de loucura coletiva que dividiu famílias, amigos e comunidades. Nunca se falou tanto em política nos divãs e os conflitos se alastram catalisando o tencionamento de relações entre professores e alunos, médicos e pacientes, empregados e funcionários. Transfigurações e epifanias se sucediam quando se descobria um novo colega “aecista” ou quando um pequeno gesto deixava farejar um “dilmista” nas redondezas. 
A coisa já vinha se anunciando desde que as manifestações de junho de 2013 anunciavam, ao lado da renovação da esquerda, a emergência de um novo discurso conservador, cujo traço mais significativo é a suspensão do seu tradicional universalismo. Lembremos aqui que o apóstolo Paulo é conhecido como inventor do universalismo ao interpretar que a chegada do cristianismo significa uma suspensão da antiga lei, que dividia as pessoas entre “gregos e judeus, entre mulheres e homens, entre escravos e livres”.* Diante da nova lei, com a qual podemos nos medir e comparar, somos todos iguais e dissolvemos nossas particularidades de nascimento, de origem cultural, de gênero ou de condição social.
Discordo dos que pensam que a política deveria ser o espaço do debate neutro de ideias, sem a degradação representada pelo “Fla-Flu” eleitoral. O “Fla-Flu” está aí desde que há política e o antagonismo que ele representa constitui a política como ocupação do espaço público, não sem violência. Há interesses e há diferença de interesses. Ocorre que a nomeação dos “times” já é um ato político. Dividir as coisas entre direita e esquerda, entre progressistas e conservadores, ou entre liberais e revolucionários, exprime não só o lugar de quem propõe a geografia do problema, quanto a teoria da transformação que este pressupõe. Mas então o que teria mudado nesta última eleição de tal maneira que o ódio e o ressentimento parecem ter assumindo o controle discursivo da situação?
Paulo Arantes argumentou que esse fenômeno corresponde ao surgimento de uma polarização assimétrica, na qual há um lado que não está interessado em governar, mas em impedir que haja governo. O outro lado, o da esquerda moderada, está um tanto esgotado quanto a definir que Brasil interessa ao conjunto paulíneo dos brasileiros. Teríamos assim um agrupamento que não quer mais esperar, que alterou a relação da política com o tempo, e que não está interessado nas próximas eleições como ponto de mudança. Do outro lado, uma esquerda incomodada por ter que apostar em uma plataforma de continuidade. Para quem conhece a expressão vergonha alheia, adapte-se ao contexto definido por uma espécie de inveja alheia. Situação e oposição vivendo um drama de sinais de identidade trocados.
É o caso da madame que despede sua empregada servindo-se do discurso de que virão tempos de crise, nos quais ela não poderá arcar com os custos fixos de uma funcionária. Sabendo que a tal havia votado em Dilma, a demissão transforma-se em uma descompostura moral contra o voto mal feito. Como se a empregada, ao eleger Dilma, tivesse levado a patroa ao ato de demissão. O medo do declínio social, a incerteza identitária que caracteriza a classe média, transforma-se cinicamente em um ato de bravura vingativa e afirmação de força política feita por outras vias. 
A chamada “elite branca” jamais havia sido confrontada tão abertamente quanto nessa combinação de cinismo, auto-complacência e complexo de adequação, que veio a carregar semanticamente a palavra “coxinha”. O nosso rico típico deixou de ser o ostentador consumista cuja autoridade depende da capacidade de impor humilhação e inveja ao outro, assim como petista não é mais o pobre engajado na aliança operário-camponesa-estudantil. O novo discurso do ódio generalizado começa pela interpretação de que até mesmo nossos inimigos são farsantes, dissimulados, pessoas que escondem o que “realmente são”. Os petistas viraram “esquerda caviar” e os ricos viraram “coxinhas”. Neste novo mundo, não se pode confiar nem mesmo em nossos inimigos, estes corruptos e dissimulados, black ou yellow blocs, mascarados.
Isso é muito evidente nos epígonos desta nova era de ressentimento na política, que já vinha sendo anunciada pela nova direita conservadora. Figuras visionárias que perceberam com clareza que, diante dos perigos representados pela diminuição da exclusão social e da desigualdade, seria preciso construir uma reação representada pela exclusão discursiva e por novas retóricas da diferença. Como quem diria: “os que pensam diferente de nós não representam apenas outro ponto de vista, mas são pessoas doentes que precisam ser corrigidas como indivíduos desviantes”. E o ponto comum nesta exclusão é a redução de seus adversários a uma figura de irracionalidade.
Não há que se argumentar com os “petralhas” porque eles “são” pessoas moralmente indignas. E por petralhasinicia-se uma associação englobante que vai do governo a todos os que votam no partido e termina em todos aqueles que se recusam a “ver o óbvio” – inclusive a pobre empregada doméstica demitida. Estes estão possuídos por um estado de excepcionalidade na qual foram destituídos de sua razão, do uso livre da vontade, revelando assim seu verdadeiro caráter.
Ora, como psicanalista, interessado na psicopatologia, salta aos olhos o uso sistemático e recorrente que este discurso faz da noção de doença mental. Isso me faz retomar o debate interrompido com Rodrigo Constantinosobre o uso da destituição da racionalidade do outro, pelo seu rebaixamento ao estado de loucura. Para tanto remeto o leitor a afirmações como:
“A verdadeira desordem psiquiátrica é justamente esse esquerdismo doente, que relativiza tudo e não encontra mais parâmetro algum de comportamento decente.”
(Rodrigo Constantino. “Pedofilia: uma orientação sexual?”. Veja, 31.10.2013. Página visitada em 20.11.2013.)
Questionado, nesta coluna, sobre o fato de que nenhuma orientação política ou religiosa pode ser considerada imediatamente um transtorno mental, percebe-se, na resposta do autor, que o uso de expressões como “esquerdopatia” não é alegórico, metafórico ou um exagero retórico, mas representa uma crença real de que as pessoas que pensam e votam à esquerda são “portadoras de um problema mental”. Elas estão realmentesancionando os milhões de mortes ocasionados pelos ditadores cubanos, chineses ou cambodjanos. Os eleitores de Dilma são psicopatas, como eles. Em escala reduzida, elas são tão corruptas quanto a turma do Lava a Jato da Petrobrás. Confrontado com o fato de que a associação entre orientação política e diagnóstico de transtorno mental é repudiada explicita e veementemente, até mesmo pelos manuais mais conservadores em psicopatologia, como o DSM-V e o CID-X, Constantino responde que:
“O psiquiatra Lyle Rossitter, por exemplo, sustenta que esse esquerdismo é sim um desvio de personalidade. Você não diria que os nazistas sofrem de certa patologia? Então orientação política não pode jamais ser patologia? Não tem nada a ver com comportamento decente? Nem mesmo no caso dos nazistas? Ou será que você, agora, vai adotar um critério seletivo para conviver com esse discurso relativista e hipócrita?
(Rodrigo Constantino, “A esquerda dissimulada“, Veja, 08/07/2013)
Uma determinada orientação de personalidade, circunstanciada em um contexto social, mediada por alternativas politicamente definidas, pode favorecer a adesão a certas ideologias, mas aí – e este é o ponto – há personalidades autoritárias de direita e personalidade autoritárias de esquerda. O erro aqui é pensar que a personalidade autoritária, a psicopatia, ou a personalidade anti-social, liga-se necessariamente a um tipo de partido, religião, gênero ou raça. Todavia o erro segundo, e mais importante, é inverter esta relação imaginando então que pessoas de tal partido ou orientação política ou religiosa – que coincidentemente não é a sua própria – têm uma determinada compleição patológica específica. É assim que se engendra, discursivamente, um processo como a homofobia. É assim que se desdobram os fenômenos de preconceito contra grupos e classes.
Quem leu o excelente estudo de Daniel Goldhagen, Os Carrascos Voluntários de Hitler, (Cia. das Letras), ou passou por Eichmann em Jerusalém de Hanna Arendt (Perspectiva) sabe que as atrocidades nazistas não foram causadas pelo repentino nascimento de milhões de alemães acometidos subitamente pela psicopatia. Os carrascos voluntários que trabalharam em Auschwitz e Treblinka eram, no geral, banais funcionários de Estado, interessados em valores como conformidade, adequação e obediência. Pessoas que se sentiam irrelevantes, mas que podiam substituir esta irrelevância por um grandioso projeto coletivo se obedecessem ao discurso correto.
Ou seja, eles não se distinguiriam de todos nós por sofrerem de patologias específicas, simplesmente teriam sido “mobilizados” por um discurso. Um discurso que, como o do bom burocrata, os fazia adivinhar a vontade do mestre, produzindo uma escalada de violência institucionalizada. Um discurso que suspendia o universal pela divisão entre espécies: loucos e normais, homens e mulheres, bons e maus, judeus e arianos. Em outras palavras, os carrascos voluntários não eram pessoas indecentes, mas personalidades excessivamente orientadas para o que eles julgavam ser a decência do momento. Passar de categorias clínicas e disciplinas psicológicas ou psiquiátricas para categorias morais como decência e indecência não é um acidente. Isso remonta a uma antiga e errônea convicção de que transtornos mentais implicam rebaixamento cognitivo (expressões como idiota e imbecil nasceram no alienismo psiquiátrico), ou desvios de caráter que pactuam de uma moral duvidosa. Nada mais errado e nada mais preconceituoso. Aliás, vejamos como o psiquiatra supracitado, Lyle Rossiter, caracteriza a esquerda antes de patologizá-la:
“Para salvar-nos de nossas vidas turbulentas, a agenda esquerdista recomenda a negação da responsabilidade pessoal, incentiva a autopiedade e autoconsideração, promove a dependência do governo, assim como a indulgência sexual, racionaliza a violência, pede desculpas pela obrigação financeira, justifica o roubo, ignora a grosseria, prescreve reclamação e imputação de culpa, denigre o matrimônio e a família, legaliza todos os abortos, desafia a tradição social e religiosa, declara a injustiça da desigualdade, e se rebela contra os deveres da cidadania.”
(Lyle Rossiter. The Liberal Mind: The Psychological Causes of Political Madness. Free World Books, U.S.A, 2011)
O curioso neste retrato, no qual nenhum esquerdista real consegue se reconhecer, é que ele não contém nenhum elemento clínico, apenas ilações morais, semelhantes às que são mobilizadas na onda de ódio que precedeu e sucedeu as eleições. O segundo elemento estranho é que o livro em questão chama-se The Liberal Mind, ou seja, a mente liberal e não a mente esquerdista (Leftist Mind). Devemos tomar isso como uma confissão de que a mente liberal tem agendas esquerdistas? O terceiro acaso, absolutamente irônico, é que o grande caso de uso político da doença mental, historicamente denunciado, ocorreu na União Soviética dos anos 1950, onde se diagnosticava massivamente a “esquizofrenia progressiva” nos que discordavam de Stalin, antes de enviá-los aos Gulags. Ou seja, esta história de achar que esquerdista é doente mental, é uma invenção de… esquerdista, mascarado de liberal, que não consegue separar clínica de moralidade preconceituosa. Diria mesmo, que dentro de cada “aecista” sanguinário, mora uma pequena Dilma, que à noite, quando ele deita a cabeça no travesseiro, lhe sussurra obscenidades indecorosas, mas ainda assim irresistíveis.
Contudo, o verdadeiro problema do discurso da nova direita conservadora e injustificadamente intitulada “liberal” não é o clamoroso erro de uso de categorias indevidas, em contexto de desqualificação do adversário. No caso da “esquerdopatia” isso é simplesmente ignorância. O problema é que este discurso possui efeitos de incitação, desencadeamento e estimulação sobre nossas formas habituais de sofrimento e seus sintomas associados. O que este discurso faz é nomear nosso mal-estar, atribuindo-lhe uma causa precisa e localizável: “os esquerdistas e suas mentes doentias”. Ele nos faz pensar nosso sofrimento como sendo causado por um determinado objeto intrusivo que veio, não se sabe de onde, perturbar nossa paz e harmonia. 
Podemos não acreditar nesta bobagem de que a esquerda é uma patologia mental, mas mesmo assim somos expostos a (e absorvemos) esta lógica discursiva. A lógica que suspende o universal, a lógica anti-São Paulo, não se faz em nome de nossa singularidade, mas em nome de nossas particularidades adesivas, do grupo que garante e certificpaula minha identidade.
Contudo, a novidade nesta onda de ódio é que ela não age em nome da identidade de cada qual, ela não fala sobre a certeza de “quem somos nós”, mas da certeza de quem é o outro. Surge assim a crença de que somos o que somos, não porque pertencemos a este ou aquele clube, mas porque não somos do clube do vizinho. Clube, aliás, que não deveria ter direito a existência. Passamos a acreditar que a palavra não é mais um meio de transformação – afinal, ‘quem vai discutir com loucos?’ –, que a negociação de interesses não é mais possível – afinal, são desonestos, e não podemos confiar neles –, e que como o Outro está a jogar um “vale tudo fora das regras”, nós também seríamos autorizados a fazer o mesmo… certo? Eis a atualização da lei de Gérson versão 2014.
Ou seja, a nossa percepção da Política, ainda que parcial ou equivocada, muda nossa relação com o mundo e a interpretação de quem são estes outros com quem vivemos. Um discurso que pregue que só existem homens e mulheres, loucos e normais, judeus e gregos, ricos e pobres, nordestinos e sulistas, para em seguida perguntar “de que lado você está?” incidirá em todas as psicopatologias, transversalmente extraindo de cada uma delas o que há de pior. Este efeito soma de todos os males acontece porque identificamos nossa própria divisão subjetiva com uma divisão objetiva, no mundo, de tal forma que se torna tentador eliminar um dos polos do conflito, que tanto nos assedia e nos faz sofrer. 
Silenciando o outro, tornando-o irracional, louco e desprezível, nós nos “normalizamos”. Aderindo a um dos dois lados no qual o mundo se simplificou, nos demitimos do trabalho e da incerteza de ter que escolher, como meros indivíduos, dotados de almas inconstantes, em meio a uma geografia indeterminada. E assim esquecemos que o universal que nos constitui é exatamente esta divisão, que nos torna pauliniamente seres capazes de loucura.
* Ver por exemplo Carta aos Colossenses 3:11: “Nessa nova ordem de vida, não há mais diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo ou pessoa livre, mas, sim, Cristo é tudo e habita em todos vós.”
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Eleições630p
Especial Eleições: Artigos, entrevistas, indicações de leitura e vídeos para aprofundar as questões levantadas em torno do debate eleitoral de 2014, no Blog da Boitempo. Colaborações de Slavoj Žižek, Mauro Iasi, Emir Sader, Carlos Eduardo Martins, Renato Janine Ribeiro, Edson Teles, Urariano Mota e Edson Teles, entre outros. Confiraaqui.
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miniaturaA Boitempo prepara para breve o novo livro de Christian Dunker: Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros. A integrar a coleção Estado de Sítio, coordenada por Paulo Arantes, o livro parte de uma psicanálise da vida em condomínios para desenvolver uma aprofundada reflexão interdisciplinar sobre a privatização do espaço público e a inserção da psicanálise no Brasil. Confira a aula dele, no Café filosófico do CPFL Cultura, sobre as transformações no sofrimento psíquico:
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Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012, seu livro mais recente é Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros (Boitempo, no prelo). Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.