quarta-feira, 7 de outubro de 2015

JK: A imaginação no poder - Entrevista com Cláudio Bojunga


JK: A imaginação no poder - Entrevista com Cláudio Bojunga

Ao descrever a personalidade de Juscelino, o jornalista carioca Cláudio Bojunga, autor da biografia de Juscelino JK: o artista do impossível (São Paulo: Objetiva, 2001), afirma nesta entrevista que "ele era muito informal, tinha uma maneira muito espontânea de tratar os outros, não fazia pose". E conta como ficou impressionado com a morte de Juscelino: "Tudo o que houve em torno do caixão dele foi a primeira campanha das diretas. Ele mobilizou o Brasil depois de morto". 
Cláudio Bojunga formou-se em Direito e estudou Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Jornalista desde 1969, trabalhou como repórter, redator, crítico e correspondente internacional. Foi editor especial da Veja, diretor de jornalismo da TVE e editorialista do Jornal do Brasil. Escreveu o texto do filme Os anos JK, de Silvio Tendler, e realizou documentários e séries para a TV. Também é autor dos livros Viagem à China aberta. São Paulo: Brasiliense, 1974 e Viagem ao Brasil desconhecido. São Paulo: Alfa-Omega, 1978, em parceria com Fernando Portela. A entrevista a seguir foi concedida por telefone à redação da IHU On-Line. 
IHU On-Line - O senhor levou uma década para escrever JK: o artista do impossível. O que mais marcou nesse período? Quais foram os pontos da biografia de Juscelino Kubitschek que mais o impressionaram? 
Cláudio Bojunga - As coisas que mais me impressionaram na biografia dele foram a vocação e o temperamento democráticos. Tivemos, ao mesmo tempo, um presidente que conseguiu unir três coisas que nunca mais andaram juntas. A primeira é uma presidência marcada por um extraordinário desenvolvimento econômico por meio do Plano de Metas, que mudou o Brasil de patamar. Acredito que isso consolidou o Brasil como um país industrial, coisa que ele não era na época do café. Uma segunda característica é a de que ele foi um presidente absolutamente respeitador da regra de ouro da democracia, que é o Estado de Direito. Ele nunca infringiu essa regra. Esses dois aspectos já andaram juntos algumas vezes. Entretanto, aconteceu também uma terceira face, que nunca mais se repetiu: a idade de ouro da cultura brasileira, ou seja, aquele período foi marcado por uma explosão de criatividade nas artes plásticas, na poesia, na música popular e na arquitetura. Aqui me refiro a Oscar Niemeyer em Brasília, na Bossa Nova, com João Gilberto e Tom Jobim, e até no futebol, com Garrincha e Pelé jogando juntos. Todas essas proezas que aconteceram na segunda metade da década de 1950, foram muito inspiradas por essa idéia de que o Brasil podia dar certo. Foi uma época marcada pela imaginação. Talvez por isso que se chame "anos dourados". 
Amizade e parceria com os artistas
O que considero impressionante no personagem central do meu livro, o Juscelino Kubitschek, é que ele sempre foi parceiro dos artistas, muito mais do que dos economistas e dos sociólogos, como é a regra normalmente. Ele tinha, inclusive, como principal conselheiro na presidência um poeta, o Augusto Frederico Schmidt . Sempre foi rodeado de escritores e arquitetos. Tinha algo de renascentista nisso, que foi o que eu procurei apreender. Eu brinco chamando esse de o único momento de exceção no País. O governo de exceção, no nosso caso, foi o grande governo do século XX. 
IHU On-Line - O sociólogo Francisco de Oliveira observou que, "surpreendentemente", uma das principais referências da esquerda brasileira hoje é Juscelino Kubitschek", numa óbvia referência ao governo Lula . O que o senhor acha dessa afirmação? 
Cláudio Bojunga - Isso é muito inteligente da parte dele. O Juscelino era um político de Minas, de Diamantina, uma cidade que é impossível ser mais e colonial. Ele fez parte do PSD, que era o partido por excelência conservador, um dos grandes partidos que o Vargas criou, que juntava todas as oligarquias estaduais, tinha uma em cada estado. No entanto, Juscelino foi um homem que, em certo sentido, traiu esse conservadorismo, porque, na verdade, da colonial e barroca Diamantina ele criou a modernista Brasília, sinalizando esse salto para o futuro. O que a esquerda realmente renovadora quer é retomar isso, essa imaginação e essa crença no Brasil. Juscelino acreditava no Brasil. Quando os americanos, que estavam tentando, num determinado ritmo, fazer o Lago Paranoá, disseram que ele não ia ficar pronto para a inauguração de Brasília, Juscelino dispensou-os e chamou empresários brasileiros que disseram que fariam. E fizeram. Essa ousadia é o que está faltando. Disso o Brasil gosta muito, dessas coisas que trazem segurança, certeza e esse compromisso com o futuro. Juscelino dizia que não havia abismos que engolissem o Brasil. Quando o Lula concorreu com o Fernando Henrique, ele disse, assim como todos os candidatos disseram, que o presidente devia seguir o modelo de Juscelino. Existe ainda hoje a procura de um dinamismo, um certo sonho e um certo compromisso com a inovação. Quando Francisco de Oliveira disse isso, ele estava sabendo o contexto em que as coisas se deram. Juscelino foi um presidente que assumiu com todas as dificuldades, com tentativa de golpe, contragolpe, duas rebeliões na Aeronáutica... O Lula assumiu com um Brasil estabilizado. É outra coisa. Juscelino teve que encantar o País, quase que hipnotizar um país marcado, traumatizado pelo suicídio do Getúlio, aquela coisa terrível. Era um Brasil muito difícil. 
Juscelino e a reforma agrária 
É uma bobagem enorme quando criticam Juscelino por não ter feito reforma agrária. Existem certas coisas, em certos momentos, que estão fora do horizonte do possível. É a mesma coisa que pedir ao presidente Franklin Roosevelt , que foi um grande presidente dos Estados Unidos, que ele desse partida na campanha dos direitos civis nos anos 1930, com a depressão. Não era possível. Tanto é que esse problema só foi se colocar nos anos 1960. É evidente que certas coisas o Juscelino não podia fazer, mas o que ele fez bastou para que a sua se tornasse uma presidência paradigmática. 
IHU On-Line - E por que o senhor acha que a reforma agrária não era viável na época? 
Cláudio Bojunga - Não havia a menor possibilidade. Uma das bases de sustentação do governo, que era o PSD, era do poder agrário. Foi preciso, antes, um modelo industrial predominar para que o equilíbrio de forças internas desse condições para uma aliança entre povo, classe média, classe trabalhadora e campesinato. Mas era preciso também se apoiar em políticos da elite, que não tinham mais compromisso com o mundo agrário. Aquilo naquela época não havia, era o Brasil do café ainda. Era o Brasil que Portinari pintou. Não é impossível, mas em geral não há voluntarismo que prevaleça. É como aquela frase do Marx : "a gente só cria problemas que está apto a resolver". 

IHU On-Line - O senhor afirma que o livro pretende refutar as infâmias e reparar injustiças contra Juscelino Kubitschek. Que injustiças foram essas?
Cláudio Bojunga - São três fundamentais, inventadas tanto pela direita quanto pela esquerda. Uma é a de que ele foi corrupto. Eu provo no livro que ele não foi. Eu estudei todos os processos que os militares fizeram para ele. Isso é uma infâmia e ele foi brilhantemente defendido pelo doutor Sobral Pinto , que não tem a reputação de ser desonesto. A segunda infâmia é a de que ele é a gênese da inflação brasileira. Isso é conversa fiada. Aquela inflação que chegou a 30% ao ano, no auge da construção de Brasília, não tem nada a ver com a inflação do Sarney, de 25% ao mês. O Brasil já tinha sido estabilizado. E a terceira infâmia, essa mais burra ainda, é a de que ele teria feito o jogo do imperialismo ao trazer as montadoras para o Brasil. Todos os economistas sérios já mostraram que substituir o empréstimo pelo investimento de risco do capital estrangeiro é muito mais negócio. É o credor que controla o devedor. Enquanto no capital de risco, que é o que aconteceu em São Paulo, sobretudo, quem controla o risco é quem investe. Hoje os estados leiloam para ver quem vai ficar com a fábrica e ninguém acha isso errado. Houve essa burrice de achar que fazer isso era ser entreguista, como se dizia na época, uma bobagem monumental. E tem mais, o Lula, eu brinco que é neto do Juscelino, porque se não fosse o Juscelino ele estaria em Caruaru até hoje. Ele é um produto sindical de uma economia moderna que foi fundada por Juscelino. 

IHU On-Line - O senhor acredita que é possível estabelecer algum parâmetro de comparação entre JK, FHC e Lula? 
Cláudio Bojunga - Não, não, não. Eu soube de algo lá em Brasília, não posso citar o nome, mas foi um embaixador que me contou, que, às vezes, conversava com Fernando Henrique. FHC dizia que, certamente, tinha feito um governo para o bem do Brasil, procurando o interesse nacional, mas ele gostaria mesmo era de ter deixado uma marca como Juscelino deixou. Fernando Henrique foi um estabilizador, ele botou o Brasil no spa, em uma espécie de regime de emagrecimento, que, às vezes, faz bem para a saúde, mas é uma desconstrução. Na verdade, faltou essa dimensão da ousadia e da imaginação. E quanto ao Lula idem. O mundo de hoje nada mais tem a ver com aquele mundo dos anos 1950. Por exemplo, o planejamento estava na moda, tudo saía da idéia do New Deal (O New Deal foram políticas adotadas pelo presidente Franklin Roosevelt para os Estados Unidos saírem da Grande Depressão, a partir de 1933. O New Deal consagrava certa intervenção do Estado nos domínios econômico e social), o que hoje foi deixado de lado em nome do ajuste. Então, são épocas diferentes. O século XX termina em algum lugar entre a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Fernando Henrique e Lula são presidentes já do século XXI e não mais do século XX. 
IHU On-Line - Juscelino levantou a auto-estima do brasileiro. Que características de sua personalidade pautam essa afirmação?
Cláudio Bojunga - Foram duas coisas: a personalidade dele, o profundo amor e a confiança que ele tinha pelo Brasil e, ao mesmo tempo, todas essas medidas promovidas pelo Plano de Metas, que mudaram o Brasil de patamar. O Brasil, no final do governo dele, tinha já a certeza de que seria um país industrializado e não mais uma fazenda de café.