03 - SERTÃO PROIBIDO
Em 1910, a
passagem do Cometa Halley provoca alvoroço no mundo. Muito se falou no fim dos
tempos. No povoado do Sapé não foi diferente. Ignorantes, sabidos, zambetas,
todos de boa fé correram à Igreja Matriz de Sant'Ana a rezar em busca de um
lugar ao céu, rogando a Deus perdão pelos pecadilhos que todo ser humano
comete. Padre João Caetano da Encarnação confortou os seus fiéis, não sem antes
orar umas dúzias de Pai-Nosso e algumas centenas de Ave-Marias. O cometa passou
e só deixou um rastro de beleza nos céus sapeense.
Morre a 22 de janeiro de 1922 o Papa Bento XV. Na velha Igreja
Matriz de Sant'Ana o Padre Vicente Cunto Pinto e toda comunidade reza pela
alma do líder católico. Em fevereiro realiza-ser a Semana de Arte Moderna.
Reflexo do movimento modernista surge em Cataguases a Revista Verde em setembro
de 1927. Um dos participantes é o jovem conterrâneo Ascânio Lopes QuatorzeVoltas
autor da poesia “Serão do menino pobre”, da qual transcrevo o trecho:
“Quando Mamãe morreu / o serão ficou triste, a sala vazia. /
Papai já não lia os jornais / e ficava a olhar-nos silencioso. / A luz do
lampião ficou mais fraca / e havia muito mais sombra pelas paredes... / E,
dentro em nós, uma sombra infinitamente maior”.
Em 07 de setembro de 1923 reduziu-se o nome da Sant'Ana do Sapé
para apenas Sapé. A mudança toponímica não foi motivo de grande euforia, nem
houve entusiasmo na comemoração de 101 anos da Independência, o povoado almejava
a sua autonomia administrativa. Em 03/04/1927 é criado o Apostolado da Oração.
Com a presença do Presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada, inaugurou-se o Monumento do Guido, na Serra da Onça,
em 13 de agosto de 1928, em homenagem ao civilizador que dedicou 23 anos de sua
vida a apaziguar e educar indígenas.
Por um breve período, 01/08/1936 a 17/11/1937, governou a
Prefeitura de Ubá o médico Dr. Theóphilo Moreira Pinto, pai de Cybele que depois
se casou com Ozanan Coelho. A beleza encantadora das sapeenses Cybele e Ilca de
Castro Arantes, que se casou com o Dr. José Campomizzi Filho, fez com que ele,
mais tarde, espalhasse aos quatros ventos que “Guidoval era a terra das
moças mais bonitas do Brasil”. Segui os conselhos do sábio Promotor de
Justiça e casei-me com uma guidovalense: Maria de Lourdes Ribeiral.
Depois de mais de 30 anos um novo jornal aparece no Sapé. É a “Voz
de Sapé” dirigido por Theophilo Braz Pereira de Mendonça e tendo como Redator
o Prof. Aristides Rocha. O primeiro número saiu escrito “Villa de Sapé, 23
de outubro de 1938”
e já combatia o vício do fumo dizendo-o “anti-higiênico, tóxico, é um
tirano que brinca com o seu escravo viciado”, num artigo assinado por Mário
Reis. Condena o “costume deselegante” de uso de armas como facas,
punhais e até mesmo pistolas e garruchas de todo calibre, texto escrito por Amadeu
dos Santos. É recebido com entusiasmo pelo jovem Sebastião Lisboa Andrade, cujo
texto reproduzo em parte:
“Voz de Sapé é a voz das montanhas, das cascatas, dos rios, dos
lagos, de Sapé de Ubá. É a voz do sol que doira as campinas rociadas de luz e de
vida, da terra de Guido, o desbravador, é a voz da Noite que acalenta o sono da
alma sapeense, varonil e intrépida.”
Infelizmente durou pouco esse periódico. Uma pena, pois era
muito bem escrito. Cheio de ideias e ideais. Não tinha propagandas, talvez daí
a sua rápida passagem pelo nosso povoado. Como se sabe a propaganda é alma do negócio.
Por essa época Turunas e Sapeense alegravam os folguedos carnavalescos
do povoado em pleno desenvolvimento.
No dia 8 de maio de 1940 toma posse na Paróquia de Sant'Ana o
Padre João Crisóstomo Campos. Dinâmico, logo faz um inventário dos bens da
igreja, identifica as necessidades e carências da paróquia, abre um Livro do
Tombo e inicia a sua administração.
Em 1943 o Distrito do Sapé teve seu nome modificado para GUIDOVAL,
em justa homenagem a seu fundador o Coronel Guido Thomas Marlière L'age, esse
plantador de cidades em Minas Gerais. O mundo em plena Guerra Mundial nem
percebeu que na Zona da Mata de Minas Gerais um francês tivera a honraria de
ser nome de um povoado em venturoso progresso. Os novos guidovalenses,
sapeenses para sempre, festejaram o acontecimento. Entre setembro de 1944 e
maio de 1945, 25.000 soldados brasileiros combateram na Itália. Lutaram conta o
fascismo, o nazismo, em defesa da liberdade e democracia. Nos campos italianos
morreram 465 soldados brasileiros e 3.000 ficaram feridos. A crueldade da
guerra não poupou guidovalenses que derramaram sangue e sacrificaram suas vidas
nos campos de batalha na Itália.
No dia 2 de março de 1948 estava em Belo Horizonte a “Comissão
Pró-Emancipação de Guidoval” integrada por Padre Sinfrônino Almeida, Manoel
Reis Moreira, Astolfo Mendes de Carvalho, Dilermando Teixeira Magalhães e José
de Azevedo Costa. Visitaram o Secretário do Interior, Dr. Pedro Aleixo, e se encontraram
com o Governador Milton Campos para tratar da emancipação de Guidoval. O jornal
belo-horizontino, “O DIÁRIO” publicou matéria sobre o assunto.
Em 04 de abril de 1948, Dr. Artur Furtado, publica longo artigo
no jornal “Folha do Povo” de Ubá onde manifesta a importância da Emancipação
de Guidoval. Por essa época, Dr. Artur mantêm intensa correspondência com o amigo
Deoclécio Lopes Catete. Trocam idéias sobre Guidoval, emancipação, nome e instalação
do município, das obras essenciais, emergentes e urgentes para a cidade
recém-criada. São sentimentos de homens altruístas, pensando no bem da coletividade.
Dr. Artur é filho do Dr. Manoel Basílio Furtado de quem herda o amor pela nossa
terra.
Na década de 30, presidiu o Conselho Distrital do Sapé, ocasião
que foi adquirido prédio que depois abrigou classes de aula das Escolas
Estaduais Reunidas. Era o casarão que serviu de sede à velha prefeitura. No
porão ficava a cadeia. Hoje é Prédio Administrativo e Clube “Álbero Campos”.
Dr. Artur, depois se mudou para Belo Horizonte trabalhando na Secretaria de
Educação. Residindo na capital do estado, se transforma numa espécie de embaixador
de Guidoval, atuando nos bastidores para a emancipação do nosso município.
Daí a minha certeza:
Guidovalense não parte.
Reparte!
Uma parte fica. Outra parte, parte!
Uma parte fica. Outra parte, parte!
(Fim da primeira parte –
publicada no Jornal de Guidoval em Janeiro/2006)
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