Mal-estar
(Denis Lerrer
Rosenfield - O Globo - 25/12/2017)
Bolsonaro expressa questões e posições de uma sociedade que
está de ‘saco cheio’ com tudo o que está aí
Há um profundo mal-estar na sociedade brasileira. As pessoas
estão tomadas pelo desânimo e pela insegurança, portadoras de uma grande
descrença em relação aos políticos e aos partidos. Se a moralidade pública
tornou-se uma bandeira política, é por que não faltaram razões que corroboram
uma tal percepção.
É bem verdade que a economia voltou a crescer, criando novas
condições sociais, graças às reformas realizadas pelo atual governo, porém tais
efeitos ainda não se fizeram sentir ou não são percebidos enquanto tais.
Não deveria, portanto, causar estranheza o fortalecimento da
candidatura do deputado Jair Bolsonaro, na medida em que ele consegue dar vazão
ao sentimento de uma sociedade cansada de desmandos.
Pretender desqualificá-lo como sendo de extrema-direita é
nada mais do que uma reação de tipo ideológica, pois não leva em consideração
que suas posições estão enraizadas na sociedade.
Ele não é uma “bolha” que logo estourará, mas um fenômeno
que expressa questões e posições de uma sociedade que está de “saco cheio” com
tudo o que está aí.
A descrença da sociedade com os políticos e partidos em
geral tem sérias razões. Não há praticamente nenhum grande partido que escape.
O PT foi o grande mestre com o mensalão e o petrolão, em
cujos governos o país foi levado à ruína econômica e à falta completa de ética.
Ex-membros do novo governo estão envolvidos na Lava-Jato, como o de um
ex-ministro com mais de 50 milhões escondidos em um apartamento. As imagens
foram impactantes. O ex-presidente do PSDB também aparece envolvido no caso da
JBS.
A lista poderia ser interminável. Fica, porém, a percepção
de que todos os partidos estão podres, embora evidentemente existam pessoas
sérias e honestas em todos eles. O que conta aqui é a percepção popular. Neste
sentido, a posição de um outsider tende a ser muito bem recebida.
As denominações de esquerda e direita, em tal contexto,
passam a não ter maior significação, porquanto a questão reside em como dar
respostas aos problemas que são postos pela sociedade. Expressão deste deslocamento
encontra-se em recente entrevista do ex-presidente Fernando Henrique, ao
declarar que tem “medo da direita”, em uma alusão indireta ao deputado
Bolsonaro. Curioso. Não teria ele “medo da esquerda” lulopetista que destruiu o
país? Ou de Chávez e sucessores que conduziram a Venezuela ao abismo?
A sociedade não mais tolera as invasões do MST e de seus
assemelhados urbanos como o MTST. Quer tranquilidade em sua vida e em seu
trabalho. Note-se que o MST foi estimulado e acariciado tanto pelos tucanos
quanto pelos petistas, com exceção da ex-presidente Dilma, que dele se demarcou
e do atual presidente, que tampouco compactua com a desordem.
Acontece que o desrespeito à propriedade privada é condenado
pela imensa maioria da população, não mais embarcando nos cantos românticos de
uma esquerda irresponsável. Consequentemente, quando um outsider como o
deputado Bolsonaro toma para si esta bandeira, ele não apenas se contrapõe a
importantes partidos, como expressa o que é sentido e condenado pela sociedade.
Pegue-se, por exemplo, um projeto de lei hoje tramitando que
permite aos proprietários rurais a autodefesa mediante autorização para
registro e posse de armas. Alguns afoitos ou mal intencionados já criticam tal
lei como se ela viesse a estabelecer o “faroeste no campo”. Como assim?
Não será que ele já existe sob a forma de invasões violentas
do MST, com uso de armas, sequestros, incêndios, destruição de propriedades e
assim por diante?
E a prática do abigeato? E os simples roubos e assassinatos?
Condenam-se os que procuram defender-se e, não os que usam
da violência em suas invasões. Se um candidato dá voz aos que não conseguem se
fazer ouvir, qual seria aqui o problema?
O de ser de direita?
Santa paciência.
As pessoas já não mais conseguem caminhar livremente nas
cidades brasileiras. A insegurança impera, estando a violência sempre à
espreita. O automóvel é hoje utilizado para qualquer deslocamento, expressando
um medo disseminado. Os mais ricos andam de carros blindados.
Um direito básico, o de livre circulação das pessoas, é
simplesmente anulado pela insegurança física das pessoas e dos seus bens. Pais
e mães ficam angustiados à espera de um filho ou filha que foi a uma festa
noturna. Mães são assassinadas quando buscam filhos na escola. A situação é
totalmente intolerável, e nenhum governo ocupou-se seriamente da segurança
pública.
Tucanos e petistas nada fizeram, sendo a nossa realidade,
hoje, produto de uma longa história de descaso com a coisa pública. Não deveria
surpreender que um candidato que vocalize tal problema básico do Estado cresça
na opinião pública. Se o deputado Bolsonaro cresce nas pesquisas, é por que os
partidos tradicionais abriram-lhe espaço ao não enfrentarem as questões por ele
suscitadas.
Chegamos a uma assaz esquisita situação em que bandidos
circulam livremente, com armas de uso restrito militar, pelas favelas
brasileiras, sem que nada seja efetivamente feito. Até posam para foto, dada a
total impunidade. Se um militar os enfrenta, da polícia, do Exército, da
Marinha ou da Aeronáutica, logo instaura-se um processo contra ele, agora
felizmente sob os auspícios da Justiça Militar.
Se for menor, pior ainda, pois seria um “civil” indefeso que
teria sido morto. Os valores estão totalmente invertidos. Os ditos “direitos
humanos” não deveriam ser utilizados para a proteção de criminosos, maiores ou
menores. Menores matam livremente e, depois da uma breve reclusão, saem de
ficha limpa. É um estímulo ao crime.
Assim, se um candidato defende a redução da maioridade penal
e a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente, é imediatamente
estigmatizado como conservador e retrógrado. A perversão é completa.
A sociedade já não mais tolera a impunidade, venha de onde
vier.
Foto postada pelo deputado Jair Bolsonaro em seu perfil
no Facebook (Foto: Reprodução / Facebook / El País)
(Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
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