Carnaval,
Quaresma e Semana Santa
(Penitência,
Promessa ou Jejum)
No carnaval de 1976, a pedido do Tilúcio, eu fiz o
primeiro samba-enredo para Agremiação
Calouros do Samba homenageando o ritmista “Henriquinho” cujo refrão repetia o seu bordão “És filho de Medeiros, Sim Senhor!”
Depois fiz outros sambas. Sempre falando da nossa gente,
das coisas da nossa terra.
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Tilúcio (1977)
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Domingos (1978)
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Salve, ó Chopotó! Salvem o Chopotó (1979)
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Guido, este vale é teu (1980)
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Vestígios e Falência de nossas Festas, Cultura e
Tradições (1982)
E foi no carnaval de 1976, mais precisamente numa
quarta-feira de cinzas, dia 03 de março, que finda a folia momesca no Clube Francisco Campos, após o toque da
tradicional marchinha “Cidade
Maravilhosa”, amanhecendo o dia, fomos para o Bar da Esquina comentar as paqueras, os foras, os “amassos”, os beijos roubados e fugidios.
Empanzinados de bebidas alcoólicas, pedimos ao Tarcísio
Caetano água mineral, sem gás, para acompanhar a conversa.
À mesa, amigos de infância: os irmãos Ronaldo e Roberto
Vieira do Geraldo Didu; Gonzaga e Jorginho (Cariá) do Duzin Vieira; o Téia do
Bié Linhares, o Adautinho do Adauto Ribeiral. Pode ser que tivessem presentes outros
amigos, mas no momento me fogem à memória.
E a prosa se estendeu, prolongou, fluiu... Por volta das
8 horas da manhã, cansados de beber água pedimos uma cerveja. E mais uma e mais
outra e outras mais...
Sei que cheguei em casa por volta das duas horas da
tarde. Levei uma homérica bronca do Zizinho do Marcílio, meu saudoso pai. Tinha
ele toda razão. Os pais sempre têm razão, mas só descobrimos isto muito tarde.
Só acordei na tarde de quinta-feira. De ressaca, até
moral, pela reprimenda paterna. Consegui murmurar para os meus botões “ficarei
sem beber na Quaresma”.
E foram dias difíceis para quem estava acostumado a beber,
todos os dias, umas cervejinhas e até pinga, caipirinha e conhaque.
Mantive em segredo a minha intenção. Não contei a ninguém.
Cumpri a promessa que fizera a mim mesmo. Não tinha nenhuma conotação
religiosa, penitência ou jejum.
Acho que eu queria mesmo era dar um descanso ao fígado e,
talvez, saber o quanto eu estava dependente do álcool.
Não foi fácil. Passados uns 15 dias começou uma coceira
pelo corpo, comichão, prurido, cabufira. Deve ter sido a falta de álcool no
organismo. Cheguei a rabiscar um calendário com contagem regressiva para saber
quantos dias faltavam para terminar a abstinência.
Agora, passados mais de 41 anos, continuo com este ritual
de não beber durante a quaresma. Não mais padeço pela privação da bebida
alcoólica. Passo por este período com tranquilidade mesmo que vez ou outra eu
tenha o desejo de beber uma cerveja ou uma taça de vinho.
Sobrevivi a aniversários, festas de casamentos, bufês
especiais, temporadas em praia, batizados e velórios. Tudo isto a seco.
Ao longo deste tempo, muitos amigos me acompanharam nesta
empreitada. Alguns desistiram no meio da caminho. Um solidário, até o fim, nesta
privação foi o amigo “Milin” filho
do saudoso Tatão Peru. Este amigo para abastecer o nosso primeiro gole, armazenou
cachaça dentro de um coco-da-baía e o deixou descansar quietinho no fundo da
caixa d’água da sua casa. O primeiro brinde com a preciosa bebida ocorreu no
extinto Bar Kai-Terra no Fundão. Ainda guardo, na memória, o
delicioso gosto da “água que passarinho
não bebe”. O sabor do primeiro gole foi indescritível.
Nunca considerei sacrifício ficar este intervalo de tempo
sem ingerir álcool. Beber a minha cerveja preferida é um dos bons prazeres que
a vida me reserva. Mas não tem preço amanhecer o dia sem os efeitos de uma
carraspana.
Acontece que dentro de nós habitam um “capetinha” e um “querubim”
intrometendo-se a todo instante na nossa vida.
Depois de uns 25 anos ficando sem beber, da Quarta-feira
de Cinzas ao Sábado da Aleluia, o “traquinas” que mora em mim envenenou-me dizendo que “quaresma são 40 dias e você fica 46 sem beber?”.
Recorri aos dicionários Aurélio e Houaiss. Consta:
“Os 40 dias que vão da quarta-feira de cinzas até domingo de
Páscoa, destinados, pelos católicos e ortodoxos, à penitência; quarentena” (Aurélio) e “período
de 40 dias, da Quarta-Feira de Cinzas até o Domingo de Páscoa” (Houaiss).
ERRO do Aurélio e do Houaiss. São quarenta e seis dias da
Quarta-feira de Cinzas até o Sábado de aleluia.
Para melhor me esclarecer fui à Bíblia editada pela CNBB e que eu converti em livro digital
(ebook). Encontrei 195 citações com a palavra “quarenta”, mas não há nenhuma referência
à palavra QUARESMA que sequer é citada na Bíblia.
Consultei o Google e o melhor conceito que encontrei para
QUARESMA foi “começa na Quarta-feira de
Cinzas e termina no Domingo de Ramos, anterior ao Domingo de Páscoa”.
E complementa com “durante
os quarenta dias que precedem a Semana Santa e a Páscoa, os cristãos dedicam-se
à reflexão, à conversão espiritual e se recolhem em oração e penitência para
lembrar os 40 dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos que ele
suportou na cruz”(...).
“Cerca de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os
cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com três dias de oração,
meditação e jejum. Por volta do ano 350 a Igreja aumentou o tempo de preparação
para quarenta dias e foi assim que surgiu a Quaresma.”(...)
“O dia da Páscoa foi estabelecido por decreto do Primeiro
Concílio de Niceia (ano de 325 D.C), devendo ser celebrado sempre ao
domingo após a primeira lua cheia do equinócio da primavera (no Hemisfério
Norte) e outono (no Hemisfério Sul).”
O “traquinas”, o anjo gênio do mau, estava correto em sua
altercação. Quaresma, quarenta dias. O “Anjo da Guarda” que me protege não
conseguiu contra-argumentar. Tivemos que nos resignar e aceitar as evidências.
Assim, há uns 15 anos que abreviei o primeiro gole para o
Domingo de Ramos.
Já não sinto as coceiras de antigamente. Não elaboro
calendário para contagem regressiva. Tornou-se fácil passar este tempo sem
ingerir bebidas alcoólicas. Tem me feito muito bem ao corpo e a alma.
Emagreço uns quatro quilos. Ou desincho alguns litros?
Os exames de sangue apontam melhora, substancial, do
colesterol, glicose, triglicéride, ácido úrico.
É um negócio tão bom, mas tão bom, que eu deveria seguir
o conselho bem-humorado de meu pai que dizia ”meu filho, porque você não bebe na Quaresma e fica o resto do ano sem
beber ?”.
A observação é pertinente. Vou pensar no caso. É uma
possibilidade.
(texto escrito
durante a Quaresma de 2017)
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