trecho
do livro Os Magnatas, de Charles R. Morris
O
meu saudoso amigo Dr. Ronaldo Ribeiro dos Santos recomendou-me, tempos atrás, a
leitura do livro "Os Magnatas"
de Charles R. Morris.
Comprei. Li. Gostei. E também
recomendo.
O
livro relata a trajetória de quatro empreendedores americanos: Andrew Carnegie
(Siderurgia); John D. Rockefeller (Petróleo); Jay Gould (Ferrovia) e Pierpont Morgan (Banco)
Abaixo, trechos do livro Os Magnatas de
Charles R. Morris
Quando
Lincoln morreu, Andrew Carnegie estava com 30 anos. Ele já era muito rico,
apesar de apenas uma década e meia antes ser um simples catador de carretéis de
linha usados em uma fábrica de tecido, e ainda tinha de decidir por uma
carreira. John D. Rockefeller tinha apenas 26, mas sua refinaria de petróleo de
Cleveland era uma das maiores e mais lucrativas do país, e ele talvez já
tivesse definido seu projeto de controlar toda a indústria. Jay Gould tinha 29
e, depois de uma carreira rápida e agitada como curtidor, estava tentando a
sorte como especialista em turnaround (operação de descarregar o trem,
prepará-lo e carregá-lo para a viagem de volta). Pierpont Morgan, aos 28,
aprendia em silêncio seu ofício na rede bancária do pai.
As
grandes forças em ação nos Estados Unidos após o fim da Guerra excediam e muito
qualquer pequeno grupo de homens; mas esses quatro iriam se tornar os maiores
de uma geração de líderes de negócios de tamanho fora do comum, os mais
destacados de uma estrutura que a imprensa apelidou de "Os Barões
Ladrões", e por sua inteligência aguçada, sua ambição e ímpeto, eles
traçaram os caminhos que as outras pessoas seguiram. Eles nunca foram amigos, e
foram com a mesma freqüência adversários e aliados; o respeito prudente que
mantinham um pelo outro logo se transformou em uma forte aversão. Se poderia
ser exagero dizer que eles criaram o super-Estado industrial americano, este
ainda guarda com nitidez suas impressões digitais.
Carnegie,
Rockefeller e Gould personificavam as oportunidades ilimitadas de
empreendimento repentinamente abertas pelos amplos recursos americanos e sua
liberdade das restrições de classe e casta. Para o homem de negócios de muita
ambição e grande talento, era o lugar, e talvez o momento, onde ele podia
chegar o mais longe possível.
Morgan
era diferente dos outros. Ele nasceu rico, com o sangue mais azul da linhagem
de sangue-azul yankee, mas definiu sua carreira na reação aos grandes
empreendedores. Trabalhou com todos eles, especialmente com Carnegie e Gould,
mas tornou-se uma figura dominante apenas quando as deles estavam no topo.
Então emergiu como o homem que definia limites, aquele que trazia a ordem, o
criador das primeiras redes institucionais porosas projetadas para amortecer as
investidas de homens grandiosos.
Carnegie
Andrew
Carnegie era o mais temperamental dos magnatas. Baixinho, com apenas 1,65m,
cabelos louros pálidos, mãos e pés pequenos e um rosto de menino, era como uma
criança travessa, vigorosa e incansável. Falava com energia, tinha opiniões
fortes e subservientes, era bajulador e provocador e sobrenaturalmente rápido
em compreender qualquer coisa que fosse de seu interesse.
Sua
ascensão é a fábula norte-americana clássica do homem que enriqueceu do nada. O
pai de Carnegie era um tecelão escocês desempregado, que trabalhava com tear
manual, e a família emigrou para Pittsburgh quando Andrew tinha 13 anos. Andrew
passou por diversos empregos. Catou carretéis usados em fábricas, foi
escriturário de um guarda-livros e mensageiro do telégrafo, onde aprendeu telegrafia
de observar os operadores. Ele logo se tornou o telegrafista favorito da
comunidade de negócios, e em seguida um serviço telegráfico de um homem só, que
todos os dias compilava as notícias vindas pelo telégrafo para os jornais de
Pittsburgh. Era tão incansável em seu auto-aperfeiçoamento quanto em todo o
resto, lendo vorazmente e trabalhando duro para melhorar seu sotaque e sua
gramática. Sua vida era dominada por Margaret, mãe dele, que transmitia a
orgulhosa consciência de classe dos pobres respeitáveis uma terrível vergonha
da pobreza e desprezo desmoralizante pelos trabalhadores sem ambição com os
quais eram forçados a se associar. Ela e Andrew foram inseparáveis a até a
morte dela, pouco antes de ele fazer 51 anos.
Os
Carnegies não eram crentes, mas Andrew ainda herdou uma forte aversão
calvinista aos prazeres da carne. Ele era extremamente charmoso e tinha muitas
associações amigáveis com mulheres, mas provavelmente nenhuma intimidade, até
que ele finalmente se casou, alguns meses depois da morte da mãe, com uma jovem
que tinha esperado aquele evento abençoado por anos.
A
grande chance de Andrew surgiu quando ele tinha dezessete anos, na pessoa de
Tom Scott, que se tornou seu herói no mundo dos negócios. Scott foi um dos
maiores executivos de ferrovia em seu tempo. Nascido pobre, e tendo começado a
trabalhar aos dez anos, ele logo gostou de Andrew. A necessidade de acompanhar
e localizar cargas em movimento fez das ferrovias grandes usuárias do
telégrafo, e Scott, que tinha acabado de ser nomeado superintendente da divisão
oeste da ferrovia Pennsylvania, era um visitante freqüente do escritório de
telégrafo de Andrew. Quando ele decidiu que a quantidade de trabalho
justificava montar uma estação telegráfica própria, sua primeira opção para
operador foi aquele garoto inteligente e cheio de energia, "Andy".
Como
grande parte do trabalho de Scott era feita pelo telégrafo, ele e Carnegie
dividiram um escritório, e o fluxo de mensagens permitiu que Carnegie
absorvesse praticamente por osmose a essência do negócio das ferrovias. Uma
manhã bem cedo, antes de Scott chegar ao escritório, Carnegie recebeu uma
mensagem que dizia que um acidente de trem deixara o tráfego em uma confusão
terrível. Incapaz de localizar Scott é de se perguntar com quanta energia o ele
o procurou Carnegie assumiu o controle e enviou uma série de ordens por
telégrafo como se fosse Scott. Quando este foi localizado e chegou correndo no
escritório, tudo estava funcionando em perfeita ordem. Esta foi uma ocasião,
como Carnegie mais tarde lembrou, em que temeu ter ido longe demais; mas após
explicar nervosamente o que fizera, Scott apenas o olhou de um jeito estranho,
conferiu se as linhas estavam mesmo funcionando, e deixou passar. Entretanto,
pouco tempo depois, Carnegie adorou saber que Scott estivera se gabando das
façanhas daquele "diabinho escocês de cabelos brancos" em seu
escritório, e que ele já era conhecido no meio ferroviário como o "Andy do
Sr. Scott". Até o grande J. Edgar Thomson, presidente da Pennsylvania, um
dia meteu a cabeça dentro do escritório, encarou Carnegie com seriedade por um
instante e disse: "Então você é o Andy do Scott".
Se
Carnegie tivesse passado sua carreira na ferrovia Pennsylvania, não há dúvida
de que teria sido um dos maiores executivos de ferrovia de seu tempo. Sua
posição como o "Andy do Sr. Scott" terminou em 1859, quando Scott foi
promovido a vice-presidente da ferrovia, e fez com que Carnegie fosse nomeado
superintendente da divisão oeste, uma promoção extraordinária para sua idade e
experiência, principalmente porque, como as linhas do oeste da Pennsylvania
tinham sido construídas às pressas sobre terreno difícil, problemas com os
trilhos e a interrupção de serviços eram comuns. Carnegie mergulhou de cabeça
no emprego. Mantinha um telégrafo em casa e passava dias e noites nas linhas
férreas, supervisionando reparos, alterando a rota do tráfego, reforçando os
pontos fracos do sistema, compreendendo instintivamente, como poucos homens de
ferrovia fizeram, que o desafio essencial era manter o tráfego fluindo. Pouco
tempo depois de sua nomeação, ele chocou seus colegas executivos quando queimou
vagões paralisados para desobstruir as linhas. Era a técnica clássica de
Carnegie: definir um objetivo, então passar brutalmente por cima de qualquer
convenção, concorrente ou pessoa comum que ficasse em seu caminho. Queimar
vagões logo se tornou um método padrão para liberar trens parados por
problemas. No ano seguinte, quando Scott foi nomeado secretário assistente de
guerra dos EUA para serviços de ferrovias e telégrafo, naturalmente levou
Carnegie com ele, e em questão de semanas, Carnegie mais uma vez tinha
desempenhado prodígios de construção para reunir as tropas da União para a
desastrosa primeira batalha em Bull Run, em 1860.
No
início dos anos 1860, Carnegie já era um homem rico. Em uma época em que
conflitos de interesse eram rotina, Scott cuidadosamente levou-o a investir em
empresas que faziam negócios com a Pennsylvania, como uma empresa de vagões
dormitórios e uma construtora de pontes ferroviárias, normalmente adiantando
para ele o dinheiro da compra. Só o investimento nos vagões dormitório pagou a
Carnegie dividendos de Us$5.000 por ano, mais que o dobro de seu salário na
Pennsylvania, sobre um desembolso de dinheiro de menos de Us$450. Um antigo
investimento no boom do petróleo na Pensilvânia, em uma propriedade conhecida
como Storey Farm, um dos mais lendários campos das primeiras perfurações na
Pensilvânia, rendeu a Carnegie impressionantes Us$125 para cada Us$1 investido.
Quando fez sua nova declaração de renda no ano de Guerra de 1863, Carnegie
tinha uma renda total de mais de Us$42.000, o que sugeria um portfólio do
montante de meio milhão de dólares, talvez uns Us$6 ou Us$7 milhões em valores
atuais.
Carnegie tinha um talento tão
espetacular com inteligência extraordinária e a praticidade precisa de Scott,
energia, um charme imenso e instinto felino para negócios que simplesmente
superava todos os outros. Também tinha lido muito mais que seus pares, com um
gosto adquirido, mas autêntico, pela arte e a cultura, e um texto com estilo
atraente. Na verdade, ele constantemente se perguntava se não estaria
desperdiçando seus talentos nos negócios. Quando a receita de seus
investimentos superou a marca de Us$50.000 em 1868, prometeu a si mesmo que só
iria trabalhar por mais dois anos para assegurar aquele nível de renda por toda
a sua vida, então iria se devotar a objetivos mais elevados.
Ele
estava se enganando. O fato essencial sobre Carnegie era o desejo de dominar a
qualquer custo. Mas por alguma razão, apesar de Carnegie estar entre os mais
duros dos homens, ele sempre insistia em desfilar como um idealista
humanitário, como se seu negócio fosse algum tipo de projeto de assistência
social. Por isso, quando era o maior magnata do aço, adorava produzir
manifestos a favor do trabalho e também de gozar da adulação de seus
empregados, mesmo enquanto constantemente aumentava as exigências sobre seus
trabalhadores e, no mesmo ritmo, reduzia seu pagamento. Para ele, cada encontro
com trabalhadores tornava-se uma parábola de uma república de boas ações, e
cada uma de suas histórias fantasiosas se encerrava com um discurso sobre as
virtudes da bondade, pois "a recompensa é doce na proporção da humildade
do indivíduo que você favoreceu". No auge da greve em Homestead de 1892,
um dos conflitos trabalhistas mais mortíferos dos Estados Unidos, ele conta que
seus empregados, "infelizmente, tarde demais", telegrafaram a ele,
"Caro mestre, diga-nos o que deseja que façamos e o faremos para o senhor".
(Claro que não há vestígio desse telegrama nos vastos arquivos sobre a greve.)
Carnegie
costumava ser desnecessariamente cruel, mesmo com seus colaboradores mais
leais. Ele manipulava seus subordinados sem a menor vergonha, insistindo
obsessivamente em reclamar de seus menores erros e levando o crédito por todos
os seus êxitos. Quando Henry Frick se aposentou Frick, que tinha contribuído
bastante para construir seu império Carnegie aplicou toda a energia e obsessão
que eram suas marcas registradas para não dar a ele o que lhe era devido. Um
pacifista declarado, Carnegie buscou contratos de Guerra, após prometer à sua
esposa que nunca o faria, e depois trapaceou para consegui-los. Ele solucionou
o conflito entre seu comportamento e os ideais que declarava mentindo clamorosa,
consistente e continuamente. Na verdade, ele se tornou o mais corrupto dos
mentirosos, aquele que mente para si mesmo. Mesmo as cartas e os relatos de
eventos que escrevia na época provavelmente eram falsos, para se mostrar a uma
luz mais favorável. Não é surpresa que os deslizes, e eventualmente crimes, dos
grandes magnatas estejam à altura de suas conquistas, mas nenhum outro foi tão
repelentemente escorregadio quanto Carnegie.
Alguns
anos depois que Carnegie deixou a Pennsylvania, ele se tornou um dos clientes
favoritos do banco Morgan, apesar de seu relacionamento ser com Junius Morgan,
pai de Pierpont, pois ele não se dava bem com Pierpont. Em longo prazo, ele
superou Pierpont, como fez com quase todo mundo. O negócio que coroou a longa
carreira de Morgan foi comprar o controle da Carnegie Company em 1901 para
criar a United States Steel Corporation; em valores atualizados, foi a maior
transação corporativa da história até a onda de compras dos anos 1980. Mas esse
foi menos um triunfo de Morgan do que uma medida de seu medo de que Carnegie
estivesse prestes a destruir um cartel do aço construído com muito sacrifício.
Comprar a parte de Carnegie era a única maneira de tirá-lo da jogada, e Morgan
pôde agradecer a seus anjos que a esposa de Carnegie o estivesse pressionando a
seguir seu objetivo há muito declarado de finalmente fazer algum bem no mundo.
Carnegie não perdeu a oportunidade e mentiu sobre seus lucros quando ele e
Morgan definiram o preço.
Na
verdade, durante uma longa carreira o único outro magnata que conseguiu
igualar-se a Carnegie no cenário dos negócios foi um homem que ele gostava de
chamar de "Reckafellows".
Rockefeller
John
D. Rockefeller descendia de uma sólida linhagem de fazendeiros pelos dois lados
de sua família, e apesar de os Rockefellers estarem sempre com problemas
financeiros, ele nunca foi realmente pobre. Na verdade, não fosse pelo
comportamento bizarramente instável de seu pai, a infância de John teria sido
quase o clichê de uma infância no oeste rural de Nova York na metade do século
XIX. "Big Bill" Rockefeller era um personagem malandro. Um homem
grande, bonito e forte, foi fazendeiro, homem de negócios, curandeiro viajante,
mágico e falso médico, e uma vez chegou a ser acusado de estupro.
(Estranhamente, também gostava de se fingir de mudo.) Os primeiros biógrafos de
Rockefeller observaram que seu pai costumava desaparecer em "viagens
longas e misteriosas"; na verdade, com o nome de "William
Levingston", ele se casou com outra mulher e mais ou menos sustentou duas
famílias durante grande parte da vida de John. À medida que a fama de John
crescia, ele simplesmente repelia qualquer pergunta sobre seu pai não gostava
de admitir que seu pai era "Doc" Levingston, um charlatão de fundo de
quintal que ainda vendia falsos ungüentos milagrosos.
Talvez
em reação ao comportamento de seu pai, John foi um jovem muito sóbrio e
trabalhador responsável na escola, sério em relação à sua religião Batista,
escrupulosamente honesto e absolutamente confiável. Sua vida adulta foi igualmente
convencional, pelo menos longe dos negócios. Ele se casou cedo, era próximo de
sua esposa e de seus filhos, e mais tarde esforçou-se muito para que a vida
deles não fosse completamente distorcida por sua enorme riqueza. John tinha uma
educação melhor que a maioria dos jovens de sua época.
Terminou
o secundário e fez alguns cursos na área comercial antes de começar a
trabalhar, aos 16, como assistente de um contador de um negociante de produtos
hortifrutícolas em 1855. Dois anos mais tarde, com o empréstimo de Us$1.000 de
seu pai, John comprou sociedade na empresa de outro mercador, Maurice Clark, um
inglês gregário cerca de dez anos mais velho que ele, e quando John fez 20
anos, já era reconhecido como um dos mais destacados comerciantes de Cleveland honesto,
confiável e com uma percepção sagaz dos mercados de commodities. O
acontecimento realmente portentoso do vigésimo ano de John, entretanto, foi o
sucesso do coronel Edwin Drake em produzir uma quantidade substancial de
"óleo de pedra" de um poço perto de Titusville, na região de
"Oil Creek (rio de óleo)", na Pensilvânia, assim chamada por seus
afloramentos de óleo visíveis na superfície.
Drake
era financiado por investidores profissionais que tinham feito o trabalho de
casa científico de saber que o petróleo da Pensilvânia, se apenas pudesse ser
produzido em quantidades comerciais, seria o combustível de iluminação e
lubrificante superior de que o mundo precisava tão desesperadamente. O
progresso difícil e incerto de Drake era observado de perto, e quando seu poço
finalmente borbulhou com uma grande quantidade de petróleo, a região foi à
loucura. Um lenhador local ficou milionário da noite para o dia só por ter
cavalgado pelo vale comprando todas as fazendas que seus proprietários
aceitassem vender. Wildcatters* chegavam aos montes na região, e começaram
imediatamente a abrir poços em uma área de centenas de quilômetros quadrados.
Oil Creek produziu uma estimativa de 200.000 a 500.000 barris de óleo cru em
1860, ano seguinte à descoberta de Drake, e 2.000.000 de barris em 1861,
incluindo cerca de 275.000 barris vendidos para o exterior. (Um barril da
Pensilvânia, ainda hoje o padrão, tem 42 galões, ou 159 l.) Cerca de 70% da
produção iam para a iluminação.
* Petroleiros independentes que
perfuravam em qualquer lugar em que se suspeitasse haver petróleo.
Como
negociantes e traders de commodities, Clark e Rockefeller provavelmente
negociaram petróleo para seus clientes e devem ter percebido os lucros que
podiam ser obtidos. Mas a idéia de entrar no negócio do petróleo foi levada a
eles, dois anos após a descoberta de Drake, por um amigo de Clark, um químico
inglês autodidata chamado Sam Andrews. Andrews, que tinha alguma experiência em
refino, propôs que Clark e Rockefeller o financiassem para abrir uma refinaria,
e eles finalmente concordaram em botar Us$4.000, que John via como uma
"grande soma". O novo empreendimento chamou-se Andrews, Clark and
Co., apesar de Rockefeller aparentemente ter posto a mesma quantia que Clark.
Aos 22 anos, John ainda era visto como um sócio sem importância, o cara que
cuidava dos números.
A
refinaria da Andrews, Clark, que eles chamaram de usina Excelsior Oil,
prosperou desde o início. Rockefeller escolheu o local situado em um ponto com
máximo acesso ao transporte ferroviário e fluvial. À medida que aos poucos
ficava obcecado com as oportunidades no petróleo, assumiu as operações do
dia-a-dia dos negócios, enquanto Andrews administrava a refinaria. Andrews era
um refinador excelente, e seus produtos ganharam rapidamente uma ótima
reputação; mais importante: ele tinha a percepção de reconhecer que John, jovem
como era, devia fazer as visitas de negócios. Pela primeira vez, Rockefeller
podia demonstrar sua habilidade extraordinária para combinar a expansão rápida
com uma atenção fanática à eficiência e aos custos. Em dois anos, a Excelsior
produzia 500 barris por dia de produtos refinados. Isso era uma produção
desprezível pelos padrões de apenas alguns poucos anos mais tarde, mas em 1865
fazia da Excelsior uma das maiores refinarias do país, duas vezes maior que
qualquer outra em Cleveland. Sob a administração de Rockefeller, também era a
mais consistentemente lucrativa.
O
problema eram os Clarks. Maurice trouxera seus dois irmãos para o negócio, como
compradores e vendedores. Um deles, James, que era um ex-lutador profissional e
um brigão, bateu de frente com Rockefeller praticamente desde o princípio.
Pior: Rockefeller não confiava nele. James gostava de fazer negócios arriscados
por baixo dos panos, exagerava seus pedidos de reembolso de despesas, e
gabava-se de enrolar clientes. Ao mesmo tempo, Maurice estava preocupado com a
disposição de Rockefeller em se endividar, e começou uma linha dura contra a
expansão contínua. Conforme os atritos cresciam, os Clarks faziam ameaças
freqüentes de dissolver a sociedade. Em uma dessas ocasiões, Rockefeller, sem
qualquer ingenuidade, perguntou a eles se estavam falando sério, o que eles
confirmaram. No dia seguinte, para sua surpresa, leram a notícia do fim da
sociedade no jornal local. Ficaram duplamente chocados quando viram que Andrews
tinha ficado ao lado de Rockefeller; mais tarde, após concordarem com um leilão
para resolver o problema da propriedade da refinaria, ficaram novamente
chocados ao verem sua oferta ser facilmente coberta por aquele Rockefeller de
25 anos de idade. O acordo foi fechado em 2 de março de 1865, apenas alguns
dias antes de Appomattox.
Os
Clarks desistiram do leilão quando a oferta chegou a $72,500. Maurice
claramente achava que era um preço extraordinário para a metade daquele
negócio. Além disso, Rockefeller entregava a metade de seu interesse no negócio
de produção, o que levou o preço final para perto dos Us$100.000. Na verdade,
foi uma pechincha. No ano seguinte, 1866, o faturamento total da Excelsior Oil
foi de Us$1,2 milhão, recuperando totalmente o preço de compra antes do fim do
ano. Poucos meses depois de comprar a parte dos Clarks, Rockefeller e Andrews
iniciaram a construção de uma segunda refinaria, e abriram ainda uma terceira
empresa em Nova York dedicada à corretagem e às vendas internacionais de
petróleo. Ela era tocada por William, irmão mais novo de John, que também
estava se tornando um excelente homem de negócios.
A
muckracker (Jornalistas e veículos que investigavam e expunham questões
políticas e sociais, algumas vezes com objetivos políticos próprios) Ida
Tarbell uma vez o descreveu como um homem com "a alma de um
guarda-livros", uma imagem que desde então ficou ligada a ele. É verdade
John D. Rockefeller amava a perfeição e a solidez de bons registros contábeis,
e insistia que cada entrada, cada conta, cada fatura estivesse certa; mas o
rótulo de "guarda-livros" nem de perto capta a realidade de John D.
Rockefeller. Se ele não tinha a presença rinocerôntica de Morgan ou a bazófia
ruidosa de Carnegie, ele compensava com um carisma silencioso extraordinário.
Quando jovem, juntava-se a novos ambientes, uma igreja, talvez, ou uma
associação de petroleiros, e de alguma maneira, sem esforço aparente, e
praticamente sem dizer coisa alguma, sempre emergia como líder. Rockefeller era
bem desenvolvido, apesar de não tão alto quanto seu pai, e um bom atleta, que
gostava do trabalho vigoroso adorava trabalhar com os operários da Excelsior.
Conhecidos costumavam comentar sobre seu senso de humor, e retratos de família
costumam pegá-lo satisfeito e de muito bom humor. Seu estilo sincero, direto e
brando fazia dele um vendedor extraordinário. Ele devia exalar uma imensa
autoconfiança. Desde o início de sua carreira nos negócios, ele assumiu riscos
enormes, mas com tanta calma e sensatez que fazia com que parecessem
absolutamente naturais.
Mesmo
durante seus primeiros anos no refino, todos os métodos característicos de
Rockefeller já se manifestavam: mover-se com uma velocidade chocante e a mínima
ostentação. Agir com absoluta confiança, mudar de rumo rapidamente se novos
fatos exigirem. Marchar a serviço de uma visão mais ampla, mas prestar atenção
obsessiva aos detalhes. O grande plano de Rockefeller já podia estar em ação
desde que ele comprou a parte dos Clarks, pois daí ele se moveu aparentemente
em uma linha reta até o controle mundial do petróleo sob a bandeira da Standard
Oil em apenas quinze anos. Apesar de costumar jogar muito duro, ele
surpreendentemente não livre de índole vingativa. Quando tomava o negócio de
outro homem, geralmente pagava um preço justo. Na verdade, muitas vezes pagava
mais do que valia. Uma manobra típica era abrir seus livros para o alvo:
qualquer homem sensato iria entender que a concorrência era impossível e
chegaria a um acordo. Se um alvo fosse particularmente teimoso, e resistisse a
todas as ofertas razoáveis, então uma luz finalmente se acendia, e Rockefeller
repentinamente desencadearia uma guerra total e violenta em todas as frentes preços,
suprimentos, acesso ao transporte, autorizações para uso de terra, qualquer
coisa que infligisse dor. Quando o alvo capitulava eles sempre capitulavam a
oferta por um preço justo ainda estaria de pé, muitas vezes com uma oferta para
se unir à equipe de Rockefeller. Era a conquista industrial com base no
princípio da eficiência. Como Rockefeller insistia em ficar em Segundo plano,
mesmo quando a Standard se espalhou por todo o globo, ele começou a adquirir
aos olhos do público uma aura de poder quase místico.
Rockefeller
também tinha seu lado hipócrita. Apesar de ser um Batista extremamente devoto,
seu biógrafo, Ron Chernow, documentou pelo menos uma ocasião em que ele
claramente cometeu perjúrio. Mas a imagem da Standard Oil como uma espécie de
empresa criminosa, atribuível principalmente a Tarbell, nunca foi exata. As
empresas de Rockefeller sem dúvida pagavam suborno para autoridades locais, mas
o ambiente para os negócios nos Estados Unidos do século XIX era um pouco como
o que existe hoje no Oriente Médio: como escreveu o observador inglês Lorde
Bryce, "Só por meio do uso de dinheiro as [empresas] podem se precaver dos
ataques constantemente lançados contra elas por demagogos ou chantagistas".
Rockefeller não precisava trapacear para conquistar o controle mundial do
petróleo. Ele era simplesmente melhor naquele negócio do que qualquer outro.
Gould
Inúmeras
foram as injúrias que caíram sobre as cabeças dos Barões Ladrões, especialmente
sobre Rockefeller. Mas nenhum deles tinha uma reputação pior que a de Jay
Gould. Para Henry Adams, Gould era "uma aranha [que] tece teias enormes,
nos cantos e no escuro". Daniel Drew, figura conhecida em Wall Street,
disse que Gould tinha "o toque da morte". O próprio Drew era um dos
homens menos atraentes da história de Wall Street um ex-vaqueiro
semi-analfabeto, covarde e hipócrita, constante apenas em suas traições. Ele
foi o primeiro mestre do "bear raid" ( "bear raid" é a ação
combinada de vendedores a descoberto, que venderam títulos para a entrega
futuro sem possuí-los, forçando baixa em suas cotações. Os donos desses papéis,
acreditando ser movimento de baixa verdadeira, apressam-se em vender, o que
provoca queda. Os que venderam a descoberto aproveitam para comprar a preço
baixo), atacando as ações de suas próprias empresas e obtendo lucros com a
destruição dos outros acionistas, sempre zombando dos padrões fiduciários
inconsistentes da época. O ódio de Drew por Gould aumentou ainda mais com as
enormes perdas que sofreu uma vez quando foi derrotado por Gould. Morgan, que
no início de sua carreira também foi superado por Gould, sempre esteve dividido
entre mantê-lo a uma distância segura ou tentar tomar seu negócio.
Se
a caricatura mefistofélica de Gould era exagerada, havia um fundo de verdade
que fez com que ela persistisse. Gould tinha uma das mentes de negócios mais
flexíveis de seu tempo, talvez de todos os tempos. Sua carreira coincidiu com a
grande era das ferrovias americanas, as primeiras corporações financiadas por
investidores e negociadas no mercado em bolsa. A sede das ferrovias por capital
era insaciável, e na ausência de padrões para a emissão de papeis ou manter
registros contábeis, seus livros eram tipicamente cobertos com um caos obscuro
de registros divergentes. Esse era o campo de jogo para o qual Gould nascera.
Sua inteligência sutil podia mover-se por toda fenda e canto das construções
financeiras mais intrincadas e adivinhar exatamente os pontos de alavancagem,
as posições estratégicas que podiam torná-lo, por meio de algumas compras
inteligentes, senhor de toda a empresa. Várias vezes, investidores que de nada
desconfiavam em luta para recuperar seus negócios ou reaver seus fundos se viam
subitamente confrontados pelo espectro de Gould, como se tivesse surgido do das
trevas, para levar tanto suas empresas quanto seu dinheiro. As ferrovias
tornaram-se o centro dos interesses de Gould desde o início de sua carreira, e,
mais que qualquer outro, ele foi responsável pela criação do mapa ferroviário
americano que vigora até hoje.
O
domínio de Gould dos arcanos financeiros equiparava-se a um estranho rasgo
autodestrutivo. Mais de uma vez, depois que uma série de vitórias o deixaram
dono do campo, ele lançou alguma nova depredação aparentemente sem sentido que
devastou tudo pelo que ele tinha trabalhado como se iniciar guerras de ações
fosse simplesmente o que ele fazia. Sua reputação de ser um saqueador de suas
próprias linhas, entretanto, é menos justa. Se por um lado ele sempre investia
menos que o necessário em suas estradas de ferro, sempre foi financeiramente
flexível, e com o passar dos anos provavelmente botou muito mais dinheiro em
suas ferrovias do que tirou. Durante o único e longo período em que foi
presidente da Union Pacific, demonstrou ser um administrador de ferrovia acima
da media era um engenheiro financeiro fantástico, tinha grande interesse pelos
detalhes operacionais, e costumava ter estratégias que derrotavam seus
concorrentes.
Ele
era uma figura nada graciosa. O pai de Gould ficou tão desapontado diante do
filho pequeno e esquelético apresentado por sua esposa depois de cinco meninas,
que acabou trocando o trabalho na fazenda por uma loja na cidade, já que Jay,
sem dúvida, não era o filho que iria arrancar um meio de vida do solo difícil
da região rural do estado de Nova York. Quando adulto, Gould tinha pouco mais
de 1,50m, ainda mais baixo que Carnegie, mas sem sua energia falante. Em vez
disso, era um afigura pálida, silenciosa e um pouco curvada. Em tempos de
crise, costumava sentar calmamente e em silêncio, e só demonstrava tensão
picando papéis em pedacinhos. Seus olhos escuros, normalmente selvagens, a
barba negra emaranhada, a sutileza de seus métodos, seu nome, todos aumentavam
rumores de que ele fosse judeu, apesar de não haver qualquer ancestral judeu
conhecido em sua árvore genealógica.
Uma
ambição incontrolável mais do que compensava a falta de força física de Jay.
Ele se virou praticamente sozinho desde os treze anos, quando seu pai o
matriculou em uma escola secundária em uma cidade vizinha e o deixou lá com uma
pilha de roupas e 50 centavos. Jay logo arranjou um emprego de meio expediente
como guarda-livros autodidata, e também demonstrou ser um aluno excelente, com
um gosto verdadeiro pela literatura, e um texto de estilo surpreendentemente
maduro. Ele aprendeu agrimensura sozinho, e aos 17 parece que era o principal
agrimensor do condado, fazendo lobby pela profissão na legislatura estadual.
Ele levantou fundos para um mapa compreensivo do condado, que foi um
empreendimento importante, e durante o processo publicou uma competente
história do condado. Ele manteve um contato próximo com suas irmãs, e voltava
para casa de vez em quando, após períodos prolongados de excesso de trabalho
que provocavam surtos de doenças debilitantes, às vezes sérias o suficiente
para representar risco de vida.
A
oportunidade decisiva de Gould surgiu em 1856, quando ele tinha vinte anos, na
pessoa de Zadock Pratt. Pratt, que tinha mais de 60 quando Gould o conheceu,
era um curtidor de couro e empreendedor de regiões selvagens, o cidadão mais
importante de seu condado e uma figura altiva e de mãos calejadas, botas e
chapéu Stetson, cujo gosto por esposas jovens perdurou até sua velhice. Os
curtidores do século XIX curavam peles de animais banhando-as no ácido tânico
derivado de uma pasta de casca de árvore. Era um trabalho sujo e perigoso, que
exigia grandes quantidades de madeira e água, e normalmente era feito nas
profundezas das florestas. Pratt contratou Gould para fazer um levantamento de
um local para essa atividade, mas ficou impressionado o bastante para
transformá-lo em sócio e gerente do novo curtume projetado. Assim, o pequenino
Gould, mal saído da adolescência, levou 50 homens para a floresta e ergueu
virtualmente uma cidade em tamanho natural, incluindo alojamentos e
refeitórios, uma usina de esmagamento de casca de árvore movida a tração animal
e tanques para a cura, além de um correio, uma garagem de carroças, o desvio de
um rio e a construção de um canal para levar água para mover um engenho, e
depois uma mercearia. O trabalho andou tão rápido que, por aclamação, o povoado
foi batizado de "Gouldsborough".
Gould
nunca foi conhecido como uma figura carismática adjetivos como
"dissimulado" e "ardiloso" são o tipo mais aplicado. Mas
sem dúvida ele conquistou a lealdade dos homens de Gouldsborough, pois quando
desafiaram seu controle do curtume alguns anos mais tarde, os moradores da
cidadezinha lutaram por ele, e salvaram o dia, após o que foi uma pequena
guerra de fronteira. Os detalhes dessa história foram perdidos, mas os fatos
gerais dizem que, depois que Gould comprou a parte de Pratt com a ajuda de uma
importante empresa de couro, ele entrou na arena com seus novos partidários.
(Eles achavam que o jovem Gould faria o que lhe mandassem; mas o contrato da
sociedade dava a Gould controle total sobre o curtume, e ele estava se
expandindo em todas as frentes mais florestas, uma empresa de comércio de
couro.) Quando as discussões financeiras foram interrompidas, um de seus partidários,
Charles Lee, contratou um grupo de capangas e tomou o curtume a força. Gould
correu até a cidade e fez um discurso para uma multidão de uns duzentos
empregados e moradores que se reuniram espontaneamente, e eles marcharam sob
sua bandeira. Naquela noite, ele liderou um grupo de 50 homens, divididos em
duas equipes de assalto, e invadiu o curtume pela frente e pela retaguarda.
Houve um tiroteio rápido mas intenso antes que os rufiões de Lee dessem o fora.
Três homens ficaram feridos, entre eles Lee, que levou uma carga de chumbo
grosso na mão. O jornal local, sem dúvida com uma pontada de ironia, escreveu:
Guerra civil
no comércio de couro
Guerra na
Itália eclipsada
Grande luta em
Gouldsborough
O general
Gould sai vitorioso
E o delegado
Lee prisioneiro de guerra
Para
Gould foi uma vitória vazia. A luta prejudicou o negócio do curtume e destruiu
sua reputação no comércio de couro. Ao decidir tentar a sorte em Nova York no
fim de 1860 ou no início de 1861, suas perspectivas não eram nada promissoras.
Quando comprou a parte de Pratt, já era um jovem rico, com um patrimônio
líquido em torno de Us$80.000, ou cerca de Us$1 milhão em valores atualizados.
Mas o fiasco do curtume praticamente o havia limpado, deixando-o com pouco além
de terras arborizadas de baixíssima liquidez. Um relatório de crédito de 1861
diz que ele "não liquidou suas obrigações e não tem um endereço fixo. Não
sabemos se tem qualquer negócio, tampouco é certo que tenha algum
dinheiro".
Mas
apesar de ter sido um fracasso, o episódio do curtume destacou as
características que Gould exibiria durante toda a sua carreira: a habilidade de
encarar qualquer tarefa, dominar qualquer campo, e, apesar de sua constituição
frágil, trabalhar prodigiosamente; forçar permanentemente os limites e restrições;
o impulso de se expandir para todas as direções ao mesmo tempo, às vezes
contrariando qualquer razão; o hábito infeliz de deixar uma trilha de sócios
confusos e esgotados em seu rastro; e perspicácia na leitura de documentos
legais um estudioso chamou-o de "provavelmente o litigante mais bem
sucedido na história americana". (Enquanto em geral podia-se confiar que
Gould manteria sua apalavra, era necessário analisar gramaticalmente com muito
cuidado o que essa palavra realmente era, pois os contratos seriam
interpretados da maneira mais estreita possível, e sempre em proveito de
Gould.) Talvez mais extraordinária fosse a habilidade de Gould agüentar reveses
que destruiriam outros homens, então se levantar do chão e seguir em frente,
aprendendo mais, trabalhando mais duro, sem reclamar, apenas à procura da
próxima oportunidade.
A
mudança para Nova York logo se tornou proveitosa para ele, pois em 1863 se
casou com Helen Miller, filha de um importante mercador de Nova York. A família
de Helen fazia parte da fechada sociedade da elite comercial de Nova York, que
costumava casar apenas entre si. Entretanto, o pai de Helen gostava de Jay, e o
casal foi morar com os pais dela depois do casamento. Seis filhos vieram em
rápida sucessão, e Helen e as crianças foram a pedra de sustentação na vida de
Jay pelo resto de seus dias.
E
de maneira igualmente fortuita, o fim de seu negócio com couro em 1861
apresentou Gould às ferrovias. Um de seus outros sócios no couro tinha
Us$50.000 em obrigações hipotecárias de uma pequena ferrovia na região de Lake
Champlain, em Nova York. A linha estava com problemas, e com a quebra do
mercado logo após o início da Guerra, os títulos tinham caído para 10 centavos
por dólar. Gould deve ter usado todo o dinheiro que lhe sobrara, mas ele os
comprou e adquiriu o controle efetivo da linha. Temos apenas seu breve relato
para confirmar que gastou a maior parte de seus primeiros cinco anos em Nova
York cuidando da linha até torná-la saudável outra vez. Quando houve uma fusão
com uma linha maior, poucos anos depois, seus títulos eram vendidos pelo par, e
as ações que ele comprara pelo caminho tinham se tornado muito valiosas. Ele
estava no jogo outra vez, apesar de, na época da morte de Lincoln, seu nome ser
praticamente desconhecido em Wall Street.
Morgan
Pierpont
Morgan já era um banqueiro experiente quando Lincoln morreu. Durante a Guerra,
ele iniciara e erguera sua própria empresa. Sem dúvida, poucos jovens foram
educados com tanto cuidado para assumir uma profissão. Os dois lados de sua
família se estabeleceram nos Estados Unidos por volta de 1640 e ele tinha entre
seus parentes Aaron Burr e o evangelista Jonathan Edwards. Os homens da
linhagem Pierpont, o lado de sua mãe, eram em sua maioria pessoas educadas e
desligadas do mundo real, e ganhavam a vida como clérigos ou diretores de
escola. Os Morgans eram de material mais duro. O bisavô de Pierpont, Joseph
Morgan, foi um dos principais cidadãos de Hartford, e um fundador da seguradora
Aetna Insurance Co. O primeiro filho de Joseph, Junius, pai de Pierpont, era um
importador de tecidos e artigos de armarinho quando foi recrutado como sócio
por um já envelhecido George Peabody, na época o principal banqueiro de
investimentos americano em Londres. Peabody levou Junius e sua família para
Londres em 1854, e Junius conseguiu o controle exclusivo do negócio uma década
mais tarde, quando o Peabody & Co. foi formalmente fechado e sucedido pelo
J. S. Morgan & Co. Pierpont, como seu pai, era alto, forte e extrovertido.
Tinha o instinto de Junius para números e adorava passar as férias escolares
trabalhando no escritório, no countinghouse, como se chamavam os bancos. Mas
ele também tinha um comportamento pouco convencional e que não agradava seu pai
uma queda pelas mulheres e um apetite pelo risco que às vezes alarmava o muito
tímido e conservador Junius.
O
negócio mais importante do J. S. Morgan era financiamento de curto prazo,
"desconto de notas", como era chamado. Seus clientes principais eram
negociantes americanos de aço ou algodão. Eles normalmente vendiam seus
produtos a crédito e levavam para casa um pedaço de papel, ou "letra de
câmbio", que podia ser descontada em um banco específico como o Barings em
uma data futura específica. Se um negociante precisasse de crédito antes da
data de vencimento, vendia suas letras com desconto para uma empresa como a de
Junius. Era um jogo de muitos detalhes pequenos; Junius precisava de uma
compreensão próxima dos negócios e do crédito daqueles que financiava para
evitar ficar com papel podre nas mãos. Junius completava sua prática bancária
fornecendo crédito local para seus clientes quando eles estavam no exterior e
ajudando-os a vender títulos do governo e das ferrovias americanas, apesar de,
nessa época, normalmente como um subscritor secundário por trás de um banco
europeu maior.
Todos
tomavam como certo que Pierpont iria assumir a empresa. Depois da mudança para
Londres, Pierpont freqüentou um colégio interno suíço e em seguida a
Universidade de Gottingen para aperfeiçoar seu francês e seu alemão. Então, no
início de 1857, Junius o mandou trabalhar com um de seus correspondentes de
Nova York, o Duncan, Sherman & Co., onde a tarefa de Pierpont era aprender
o negócio bancário, ficar de olho nos negócios de Junius em Nova York, e
acompanhar a correspondência com o escritório de Londres, que incluía muitas
cartas longas e com tom de sermão de seu pai. Um incidente, que Pierpont
adorava contar quando mais velho, demonstrou seu espírito independente. Enviado
para visitar clientes em Nova Orleans, Pierpont viu a oportunidade ganhar um
bom dinheiro com grãos de café, e usou o crédito do Duncan, Sherman para
comprar uma grande posição. Quando o esperado telegrama indignado de Nova York
chegou, Pierpont respondeu laconicamente que a posição fora vendida, e que
estava enviando um lucro substancial. Mais tarde, ele declarou que não houve
risco no negócio porque sabia muito bem o que estava fazendo.
Depois
de dois anos, Pierpont, com apenas 24, abriu sua própria firma, e com a ajuda
de referências de Junius, ergueu rapidamente seu negócio. O famoso caso das
"carabinas Hall", quase um escândalo na época, lançou sombra sobre
seu nome muitos anos mais tarde. Pierpont ganhou honorários altos para
financiar uma venda de rifles para o sobrecarregado general John C. Frémont,
comandante da União no oeste. O problema do acordo foi o fato de o governo já
possuir os rifles. Um arsenal do governo já concordara vender os rifles antes
da Guerra a um, preço muito atraente, mas o arsenal queria receber em dinheiro,
que o comprador não podia levantar. Mas quando a guerra começou, os comandantes
de campo estavam desesperados por rifles, e um amigo dos Morgans de Londres, um
homem chamado Simon Stevens, que tinha seus esquemas junto ao governo, assumiu
o contrato e fez um acordo com Frémont a um preço bem elevado. Morgan botou o
dinheiro para fechar a compra com o arsenal e enviar os rifles para o oeste. Os
lucros de Morgan com a guerra não são particularmente interessantes ou
atraentes, já que, como todos os jovens magnatas, ele pagou por um soldado
substituto no lugar de se submeter à convocação.
Com
a fundação do J. S. Morgan & Co. em 1864, Junius chamou Pierpont de volta
aos negócios da família. A firma de Pierpont foi dissolvida, e Junius o botou
para trabalhar com Charles Dabney, um sócio antigo e experiente da Duncan,
Sherman, na Dabney, Morgan & Co., que era reconhecida por todos como a
filial nova-iorquina da J. S. Morgan & Co. Mais tarde, quando Dabney se
aposentou, Junius mais uma vez botou Pierpont para trabalhar com alguém mais velho,
Anthony Drexel, da tradicional família de banqueiros da Filadélfia, e rebatizou
a firma de Drexel, Morgan-& Co., com o nome do homem mais velho novamente
em primeiro lugar.
Junius podia ter sido menos
cuidadoso, pois Pierpont estava claramente bem preparado. Dotado de um
intelecto poderoso, grande perspicácia financeira, e arrojo pessoal, tinha um
número crescente de seguidores em Wall Street, e era elogiado pelo serviço de
crédito de Dun por conduzir um negócio de "primeira classe". Com o
passar dos anos, Pierpont tornou-se conhecido por uma certa retidão
extremamente decidida, uma espécie de etos no estilo Colonel Blimp (Personagem
de quadrinhos britânico criado nos anos 1930 por David Low. Homem pomposo,
simples, irritável e radicalmente nacionalista, Blimp era uma sátira às
opiniões reacionárias dos britânicos na época. ) que se a um resmungo cheio de
desprezo: "Cavalheiros pagam suas dívidas". Seu convencionalismo não
se estendia à vida pessoal. Aos 24 anos, demonstrou uma sensibilidade surpreendentemente
pré-rafaelita ao se casar com uma jovem beleza que já estava morrendo de
tuberculose, sofrendo o a inevitável dor da morte quatro meses mais tarde. Seu
segundo casamento, em 1864, foi uma replica do de seu pai um homem poderoso em
um casamento frio com uma esposa neurastênica. Entretanto, diferente de seu
pai, Pierpont teve uma sucessão de amantes as quais ele nunca se incomodou em
esconder de colegas ou da família.
A
genialidade de Morgan era a do disciplinador, não aquela do criador. Ele foi o
último dos grandes banqueiros de investimento dos séculos XVIII e XIX, mais que
um pioneiro de um novo regime. Ele fez o que seu pai e outros banqueiros sempre
fizeram, mas em pinceladas mais amplas e sobre uma tela maior, aplicando sua
inteligência formidável a construções financeiras cada vez mais complexas. Seu
ímpeto fundamental era na direção da ordem e do controle, e ele ficou
horrorizado com a tormenta de "destruição criativa" no coração do
longo crescimento americano. Ele detestava a "concorrência amarga e destrutiva"
que sempre levava à "desmoralização e à ruína", nas palavras de
Elbert Gary, o homem de Morgan na U.S. Steel. Ele costumava ser estranhamente
desarticulado, como se perdesse a fala por fulminações titânicas em seu peito.
Reclamava da loucura por progresso e mudança que eliminava negócios
perfeitamente respeitáveis de cavalheiros perfeitamente respeitáveis, e dos
ventos fortes da tecnologia que viravam hipóteses econômicas do avesso e
tornavam impossível para seus clientes pagar suas dívidas! Por 40 anos foi um
dos homens mais bem sucedidos dos Estados Unidos e impôs sua própria vontade
férrea sobre a economia americana, reinando nas competitivas disputas abertas,
e estabelecendo regras e limites que perduraram por meio século após a sua
morte.
Carnegie,
Rockefeller, Gould e Morgan teriam chegado ao topo em qualquer época, talvez
como líderes militares, ou chanceleres de reis. Mas nos Estados Unidos pós
Guerra Civil, os negócios tinham adquirido uma sensação de excitação e
propósito que antes os homens associavam aos grandes feitos de Estado ou
militar.
Não
foi por acaso. O enorme tamanho dos Estados Unidos e sua base industrial já
impressionante deixaram-no maduro para o hiper-desenvolvimento. Os EUA eram o
único país em que "trabalhador" era a descrição de um emprego, mais
que um emblema de classe. Parece que a maioria dos americanos realmente
acreditava, como Lincoln disse que deveriam fazer, que suas vidas iriam
melhorar, que não havia limite para as perspectivas que podiam ser abertas pelo
trabalho duro e pela imaginação. Eles escolhiam o novo quase como uma coisa
natural coisas novas a comprar, maneiras novas de fazer ou produzir coisas. Era
para se livrar dos obstáculos do status conquistado por corporações de
artesãos, de práticas comerciais há muito estabelecidas, que eles ou seus
ancestrais próximos tinham ido para a América em primeiro lugar. Como um povo
radicalmente desarraigado, os americanos mudavam laços de trabalho e de lugar
com a mesma facilidade que trocavam sapatos velhos. Observadores da época
ficaram pasmos com o fato de os pioneiros que ocuparam as terras do oeste não
serem camponeses sem terra, mas principalmente fazendeiros bem sucedidos da
Pensilvânia ou de Nova York, que queriam subir para operações de maior escala.
O
estilo livre americano deixou condições ímpares para um empreendedor ambicioso.
Mesmo muito antes da Guerra Civil, alguns ingleses de visão já começavam a
ficar alarmados com o radicalismo da inovação americana.
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